Tempo Comum: viver o ordinário de forma extraordinária

03/02/2014 10:27

    

 

 

Desde meados de janeiro come­çamos a viver na liturgia da Igreja o Tempo Comum. Aban­donamos a cor branca das festividades do Natal e voltamos a utilizar a cor verde nas vestimentas litúrgicas, cor que nos acompanhará nos 34 domingos do Tempo Comum, que começa com a festa do Batismo do Senhor, em janeiro, e termina com a festa de Cristo Rei, no fim de novembro.

Assim, concretizamos na prática li­túrgica o que Pedro descreve como um resumo da vida de Jesus: “vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galiléia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou pelo mundo fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo demônio, porque Deus estava com ele” (At 10,37-38).

Meditamos durante o Tempo Comum os anos da vida pública de Jesus, aqueles cerca de três anos em que Ele manifes­tou, por meio de suas palavras e ações, o rosto de um Deus próximo, humano, singelo, terno e misericordioso.

A liturgia da Igreja, com efeito, além de pretender oferecer a Deus um culto belo e digno, que Ele de fato merece mas não necessita, visa ajudar-nos a confi­gurar a nossa vida segundo o modelo da vida de Cristo. Por isso, a liturgia se organiza em torno às duas festas que marcam a sua entrada neste mundo, a sua encarnação, a Festa do Natal, e a sua passagem deste mundo ao Pai, por sua morte e ressurreição, a festa da Páscoa.

Estes dois tempos, por serem tão importantes, são preparados (Advento e Quaresma) e continuados na reflexão e na celebração (Tempo do Natal e Tempo da Páscoa). Entre eles está toda a medita­ção sobre a vida pública de Jesus, o que acontece no Tempo Comum.

Toda a vida de Cristo, no entanto, tem uma linha de continuidade e de coerência que permanece inalterada desde a sua concepção até à sua ressurreição: o fazer as coisas ordinárias de forma extraor­dinária. Em nenhum momento Ele fez prevalecer a sua condição extraordinária de Filho de Deus; ao contrário, viveu­-a de forma escondida no ordinário da existência, tanto assim que não foi tão fácil reconhecê-lo em sua identidade profunda. Jesus nunca fez alarde de sua condição divina, mais bem a escondeu.

Como diz Santo Agostinho: “A vida de Jesus se reduz a algumas horas de cruel paixão, a dois anos e meio ou três de pre­gação e a trinta anos de vida ordinária, de vida sem grandes acontecimentos, de vida ocupada em não fazer nada de sobressalente, em passar inadvertido, ... como todo mundo” (Comentário ao Salmo 62,8).

Aquele que vinha revelar-nos a face de Deus escolheu viver a maior parte de sua existência numa vida escondida e simples, como qualquer um de nós. E quando se manifestou publicamente nada mais fez que anunciar a chega­da do Reino de Deus em sua pessoa,

anúncio que se expressava em palavras profundas e simples, que convenciam a inteligência e abriam o coração, e por meio de ações que libertavam de toda forma de sofrimento, de fechamento e de maldade.

Mas, mesmo as ações de cura e liber­tação, fazia-as com tal discreção que se escondia quando sua fama se espalhava. Seus milagres sempre supunham a fé e nada mais pretendiam que ser sinal da chegada do Reino, despertando e au­mentando ainda mais uma fé incipiente.

Viver a vida ordinária de forma ex­traordinária, não viver a vida cheia de momentos extraordinários. Assim foi a vida de Cristo. É a forma com que vi­vemos a nossa vida cotidiana, simples, repetitiva, que faz que ela tenha sentido e alegria. Não é necessário que façamos coisas extraordinárias para sermos reconhecidos, basta que façamos com intensidade, entusiasmo e alegria as coisas simples e ordinárias do dia a dia.

Não é por acaso que, como diz mais uma vez Santo Agostinho, quando Cristo quis resumir o seu ensino, dizendo que dele devíamos aprender algo, não se referiu a alguma obra que ele fez espe­cificamente como Filho de Deus, como Verbo eterno (formar o céu e a terra, fazer milagres...), mas àquilo que fez como simples homem, como qualquer um de nós: “aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29) (cf. Comentário ao Salmo 142,11).

Foi na mansidão e humildade de um homem comum, na ternura, proximidade, bondade, compaixão e misericórdia para com todos os que dele se aproximavam que Ele nos revelou a grandeza de Deus: “tão humano que só podia ser divino”, como bem resume o poeta Fernando Pessoa.

Peçamos a Deus que nos ajude a viver desta forma o nosso cotidiano simples e repetitivo ao longo deste ano que está começando

 

Pe. Walterson José Vargas, ss.cc.

santoemidio.webnode.com.br

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