3ª aula

27/03/2012 14:16

 A CRÍTICA DAS FORMAS

A crítica das formas consiste em descobrir formas fixas na vida de todos os dias ou na literatura, na maneira de falar ou escrever; em descrever essas formas, em determinar a intenção de sua linguagem e, por fim, o seu “sitz im leben” (contexto existencial).

O “sitz im leben” (situação vital)

Expressão cunhada por Hermann Gunkel, um estudioso do A.T. Todos nãs sabemos, por experiência, que temos que ter em mente “quando”, “onde” e “como” devemos nos expressar. Geralmente é o “quando” e o “onde” que determinam o “como”. Não se admite, por exemplo, contar uma anedota em um velório. Também a intenção daquele que se comunica determina como ele vai se comunicar.

Um exemplo: Na Barra da Tijuca, dois jovens em um carro fazem uma curva em altíssima velocidade e partem o carro em duas partes contra um poste. Aparece na TV a linguagem do repórter relatando o fato. Na mesma reportagem, uma testemunha relata o que viu. Se tivéssemos acesso ao boletim policial, veríamos que o mesmo acontecimento seria narrado de uma terceira forma completamente diferente das outras duas. Se o repórter narrasse o fato com a linguagem do boletim policial, com certeza perderia audiência, pois, se tornaria monótono. O sitz im leben cria a correspondente forma adequada de expressão.

Por outro lado, as palavras do Evangelho “tomai e comei isto é o meu corpo”, lidas em um círculo bíblico, não tem a mesma função que quando são ditas na liturgia, no momento da consagração.

As formas fixas

Não só  o contexto vital, mas também o gênero literário determinam a forma da linguagem. Por exemplo, ao lermos: “A família de José da Silva cumpre o doloroso dever...”, já sabemos que se trata de um anúncio fúnebre. Esta outra forma: “Era uma vez um rei que vivia num país muito distante”

mostra-nos que estamos diante de um conto de fadas. E esta outra forma: “Ilmo Sr Prefeito do Município do Rio de Janeiro José da Silva, brasileiro, solteiro... nestes termos pede deferimento” nos indica que temos nas mãos um requerimento.

As formas fixas são dinâmicas, elas aparecem e desaparecem de acordo com a necessidade de cada fase da história. Por exemplo, alguém ainda se lembra como  é que se escreve uma carta?

OS GÊNEROS LITERÁRIOS NO AT

Normas jurídicas

Comecemos com a conhecida “olho por olho, dente por dente” (Lv 24,19; Dt 19,21). Seu Sitz im Leben: norma jurídica que servia para o juiz encontrar uma sentença adequada. Visava puramente a fazer justiça: não deixar sem punição, mas, por outro lado, impedir que se impusesse uma sentença desproporcional. Por exemplo, se numa briga alguém ferisse o outro não deveria ser morto por isso. Além disso, uma norma só poderia ser aplicada pelo juiz: ninguém podia fazer justiça com as próprias mãos.

Em Lv 25,23 lê-se: “A terra pode ser vendida para sempre, porque a terra me pertence”. Todos tem direito à terra e à moradia. Se alguém por necessidade precisar vender tem o direito de resgatá.-la. A terra pertence a Javé que a dá como herança. Essa é a verdadeira reforma agrária: não havia concentração de terra nas mãos de poucos.

Sobre a escravidão, em Lv 25,44, podia-se tomar como escravo qualquer estrangeiro. “Quanto aos irmãos de vocês, os filhos de Israel, ninguém poder é exercer domínio sobre eles” (Lv 25,46b).

Aqui o Sitz im Leben . claro: na visão do AT, só Israel era o povo de Deus, não podendo, pois, ser escravizado.

Etiologias

São narrativas (lendas) que servem para explicar a existência de algum acidente geográfico, algum detalhe de uma paisagem. Por exemplo, a lenda brasileira que explica o rio Amazonas que seriam as lágrimas da lua, por não poder se casar com o sol. Na Bíblia podemos citar como exemplo o capítulo 8 do livro de Josué em que se explica a existência de umas pedras no lugar onde outrora ficava a cidade de Hai, destruída pelos israelitas quando da conquista de Canaâ.

Etiologia do culto 

é a etiologia de um lugar de culto ou um lugar de peregrinação. Segundo o autor Diego Arenhoevel, “ainda hoje, nos lugares que visita, o peregrino deseja conhecer os motivos que apareceram ali. (...) A explicação que se dá é  da história de uma aparição que conferiu o caráter de santidade áquele lugar. Contudo, é difícil de perceber que o peregrino se interessa muito mais por aquilo que ele encontra nesse lugar do que por aquilo que aconteceu ali em outras épocas. Não é a primeira aparição da divindade (...) o que lhe importa, mas a presença permanente, ali, do ser que apareceu em tal lugar. Por isso, não faz a mínima diferença que a aparição tenha sido histórica ou não”. Todos nós conhecemos a história do Santuário Nacional de Aparecida. Um exemplo, na Bíblia, é a história da aparição de três anjos a Abraão (Gn 18,1-15).

A saga

É a narração de um acontecimento histórico real, feita por alguém que testemunhou o fato e que tem alma de poeta, cheio de imaginação e criatividade. Na realidade, a saga não pretende descrever o acontecimento em si, mas a impressão causada por ele nas pessoas que o testemunharam.

Um exemplo de acontecimento festejado com toda emoção está em Ex 15,3ss.

Obras histÉricas

A obra histórica é um dos mais antigos gêneros literários do AT. Esse gênero literário bíblico, poém não corresponde ao gênero literário de mesmo nome da atualidade. Para nós, hoje, qualquer exposição histórica é aquela que nos permite conhecer o passado, mesmo sabendo que qualquer historiador pode escolher os fatos que lhe pareçam de maior importância.

No AT, as maiores exposições históricas tem outra finalidade: narram acontecimentos passados para que eles possam lançar uma luz sobre o que deve ser feito no presente, não repetindo os mesmos erros. Não era intenção do autor oferecer  posteridade informações e dados históricos sobre tais e tais acontecimentos, embora muitas vezes certos textos sirvam de fontes históricas para os historiadores modernos.

Narrativas didáticas

Trata-se de uma verdade de fé revestida de uma história. Essas narrativas assemelham-se às parábolas do NT e também às fábulas, que revestem as verdades universais em histórias de animais.

Mas enquanto nas fábulas a moral da história aparece de maneira clara, nas narrativas didáticas do AT, assim como nas parábolas ela está subentendida, cabe ao leitor/ouvinte interpretá-la. Podemos ver, como exemplo, o poema didático do livro dos Ju.zes 9,8-15.

As narrativas didáticas, embora mais curtas que as históricas, podem, por vezes, se estender até alcançar o formato de um livro. São exemplos disso o livro de Judite, o segundo livro dos Macabeus e o livro de Jonas.

O livro de Judite – Começa com um erro histórico brutal. Segundo ele, Nabucodonosor reinava sobre os assírios em Nínive, quando sabemos que ele foi o rei da Babilônia. O autor nâo está preocupado em fazer história, mas em passar uma mensagem edificante. Nabucodonosor o inimigo do povo de Deus por excelência, ao passo que Nínive era o símbolo do uso brutal da força, que faz o que bem entende.

O segundo livro dos Macabeus – O próprio autor declara que não tem a pretensão de fazer história (2Mc,28.30). No entanto é o mais fiel á história, provavelmente porque se baseou em uma obra histórica que se perdeu. Ele só quer mostrar quais as relações que existem entre a fé e o destino de Israel e em que consiste a essência da cidade de Deus aqui neste mundo.

O livro de Jonas – A história de Jonas é a maior evidência de que não se trata de um livro histórico, pois iria contra toda a racionalidade acreditar que alguém pudesse ser engolido vivo por um peixe e ainda sobreviver. Para melhor aproveitarmos a mensagem do livro de Jonas, precisamos levar em conta toda a simbologia que ele apresenta. Nínive é modelo de crueldade e opressão para com o povo de Israel; Társis é sinal de distância; Jonas representa o justo questionador, que espera de Deus a vingança contra os inimigos e não o perdão;  e o peixe é sinal do mundo dos mortos.

 

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