SEMANA SANTA

 

DOMINGO DE RAMOS

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Isaías 50,4-7)

50 4 O Senhor Deus deu-me a língua de um discípulo para que eu saiba reconfortar pela palavra o que está abatido. Cada manhã ele desperta meus ouvidos para que escute como discípulo;
5 (o Senhor Deus abriu-me o ouvido) e eu não relutei, não me esquivei.
6 Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o rosto dos ultrajes e dos escarros.
7 Mas o Senhor Deus vem em meu auxílio: eis por que não me senti desonrado; enrijeci meu rosto como uma pedra, convicto de não ser desapontado.
Palavra do Senhor.

 

B)     Salmo Responsorial 21(22)

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

Riem de mim todos aqueles que me vêem,
torcem os lábios e sacodem a cabeça:
“Ao Senhor se confiou, ele o liberte
e agora o salve, se é verdade que ele o ama!” 

Cães numerosos me rodeiam furiosos,
e por um bando de malvados fui cercado.
Transpassaram minhas mãos e os meus pés
e eu posso contar todos os meus ossos.

Eles repartem entre si as minhas vestes
e sorteiam entre si a minha túnica.
Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe,
ó minha força, vinde longo em meu socorro!

Anunciarei o vosso nome a meus irmãos
e no meio da assembléia hei de louvar-vos!
Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-lhe louvores,
glorificai-o, descendentes de Jacó,
e respeitai-o, toda a raça de Israel!

 

C)    Evangelho segundo São Lucas (19,28-40)

       Naquele tempo, Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém. Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, perto do monte das Oliveiras, enviou dois de seus discípulos, dizendo: “Ide ao povoado ali na frente. Logo na entrada encontrareis um jumentinho amarrado, que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui. Se alguém, por acaso, vos perguntar: “Por que desamarrais o jumentinho?”, respondereis assim: “O Senhor precisa dele””. Os enviados partiram e encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito. Quando desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram: “Por que estais desamarrando o jumentinho?” Eles responderam: “O Senhor precisa dele”. E levaram o jumentinho a Jesus. Então puseram seus mantos sobre o animal e ajudaram Jesus a montar. E enquanto Jesus passava, o povo ia estendendo suas roupas no caminho. Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinham visto. Todos gritavam: “Bendito o rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!” Do meio da multidão, alguns dos fariseus disseram a Jesus: “Mestre, repreende teus discípulos!” Jesus, porém respondeu: “Eu vos declaro: se eles se calarem, as pedras gritarão”.

 

 

2) COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos bíblicos que ajudam a compreender o tema de hoje:

                ''Bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra'' ( Mt 54).

                “Uns confiam nos carros e outros nos cavalos; nós, porém, somos fortes no Nome do Senhor”  Sl 19 (20),8.

 

B)           Mensagem:

        O Evangelho de hoje nos mostra Jesus entrando de maneira triunfal em Jerusalém, como rei, mas um rei designado como ''manso'', montado em um jumentinho, filho de uma jumenta (que também os acompanha). Já o profeta Zacarias havia predito que Jerusalém, a filha de Sião, receberia em júbilo o seu rei nos tempos messiânicos, montado ''num jumentinho, filho de uma jumenta''. E já na primeira sucessão de Davi (de quem Jesus é herdeiro e cumpre a promessa da permanência perpétua do seu trono) há uma amostra de dois reinados diferentes: Adonias quer usurpar o poder, gaba-se a si mesmo dizendo ''sou eu que vou reinar'', e arma-se de carros, cavalos e guardas para atacar a Davi; Davi, por sua vez, manda chamar o sacerdote Sadoc e o profeta Natã, e os manda buscar a Salomão e trazê-lo montado na mula de Davi, e assim é aclamado ao entrar na cidade: ''Viva o rei Salomão!”, gritava o povo (Salomão recebe o poder, não se outorga a si esse direito, não o usurpa). Da mesma forma entra Jesus em Jerusalém, manso e humilde, ele mesmo, mas também montado num animal manso e humilde: um filhote de jumenta.

        É uma boa ocasião para refletirmos sobre a ''mansidão''. Diz Jesus, ''vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. Jesus parece convidar-nos a transformar-nos nesse jumentinho e carregar a ele como fardo, porque ele é ''suave e leve''. Esse jumentinho certamente se acostumaria, se ainda não o fosse, a carregar pesados fardos ... é o trabalho dos jumentos. Mas agora carrega um ''fardo suave e leve''. Porque é suave e leve esse fardo, Jesus? Porque é ''manso e humilde de coração''. A mansidão e a humildade tornam o peso da vida leve e suave. Isso é assim porque a pessoa mansa recebe das mãos de Deus a vida como um dom, não se lança avidamente sobre ela para possuí-la (por isso os mansos ''herdarão a terra'', a possuirão por herança recebida, não por possessão conquistada). Lembremo-nos que Adonias queria conquistar o poder, Salomão o recebe como dom. É a lógica dos cavalos e dos carros contra a lógica do jumentinho. A mansidão é uma atitude de acolhimento, de recepção, de respeito pelo outro, de gratuidade, de espera. É o contrário do apressamento, da investida, da agitação, da ansiedade e da angústia. O descanso, o repouso, a serenidade e a paz são o prêmio, a conseqüência, a paga para uma alma mansa e humilde. Essa atitude receptiva grangeia a serenidade e a paz, ao passo que uma atitude possessiva atrai ansiedade e angústia.

        Peçamos ao Senhor a graça de entrar nessa Semana Santa como Jesus entra em Jerusalém, com um coração manso e humilde, com um coração receptivo, aberto, não apressado e possessivo, em atitude de gratuidade, com as mãos abertas para acolher de Deus as graças que Ele quiser nos dar, ... não para possuí-las, mas para devolvê-las a Deus como um chafariz que derrama suas àguas guardando para si somente um pequeno resto, uma pequena lembrança daquelas àguas vivas que nos lavaram por vez primeira em sua graça.

        Peçamos à Virgem da Ternura, mãe da mansidão, do coração acolhedor e receptivo, que nos dê um coração parecido ao seu útero: que seja virgem e puro, silencioso e tranquilo, e assim possa acolher o rei que chega ''manso e humilde'', e por um coração assim parecido ao seu, pode ser acolhido. Amém!

 

Complemento: Notas sobre a mansidão, em: Silêncio com Deus. Um Cartuxo. Editorial Aster, Lisboa, 1956.

                O Evangelho diz: “os mansos possuirão a terra”, mas ao mesmo tempo diz, “os violentos conquistam o Reino dos Céus''. Como conciliar essas duas idéias, como superar o paradoxo? O homem espiritual faz reinar a mansidão em todos os seus atos para com os outros. Mas age com violência na prontidão e nitidez com que obedece ele próprio aos chamamentos do amor. É o contrário do homem carnal: externamente brutal com o próximo, internamente falho na justiça e na paixão pela verdade.

        Para o homem espiritual essas duas atitudes são inseparáveis uma da outra: uma sinceridade sem comedimento consigo mesmo, cortando com um sim ou um não a discussão interior (“que o seu seja sim, e o seu não seja não...”); é uma condição para que a alma se liberte e conquiste o maravilhoso privilégio da mansidão.

        Só poderemos ser mansos com os outros quando o nosso coraçaõ estiver em paz dentro de nós mesmos, sem divisóes: “fiz calar e sossegar a minh'alma; ela está em grande paz dentro de mim”: Sl 131(130), 2.

        A mansidão de Maria: ela é como um espelho límpido (um lago transparente), liberto de toda forma própria (Maria venceu todo ''amor próprio'', todo egoísmo), de maneira que Deus pode refletir-se nela sem mancha alguma. Os atributos de Deus refletem-se na sua vacuidade e na sua humildade. Maria é água pura, mansa, serena e cristalina.

        Abandonar sem luta as solicitações do amor próprio, consentir pacificamente no que nos pede, é isso que nos torna conformes à Virgem Maria e herdeiros dos seus atributos.

        A mansidão é uma atitude especificamente divina. O homem procura afirmar-se a si próprio (Adão – Adonias). A violência é o ato de uma autoridade que se sente fraca demais. Deus não tem necessidade de esmagar os seres para se impor; a mansidão não é mais que expressão da sua onopotência.

        A mansidão é inteligente, porque penetra no íntimo dos seres que se fechariam à violência e à brutalidade (tanto os seres humanos como as coisas só se revelam aos mansos, àqueles que os respeitam na sua identidade).

        Por isso também a inversa é verdadeira: a sabedoria é mansa, a inteligência é mansa, porque respeita o objeto para o compreender.

        A mansidão é feita de paciência e respeito para com as criaturas. Paciência, primeiro, porque é necessário ceder muitas vezes o seu direito, sofrer todos os dias e algumas vezes cruelmente.

        Mas, também é verdade que, procedendo assim, pacientemente, a mansidão desarma todos os adversários, e tira as travas da dor, porque geralmente os nossos sofrimentos são feitos em grande parte de revoltas, de falta de delicadeza e de abandono.

        É necessário ter muita paciência conoscos mesmos, com o nosso corpo e com a nossa alma. A maior descarga de energia natural não conseguirá acrescentar uma polegada à nossa estatura espiritual.

        Mas, aquele que francamente reconhece o que é, perde por isso mesmo a tentação de criticar os outros, assume a necessidade de recomeçar todos os dias os seus esforços, sem olhar para o resultado, só perseverando por Deus, só contando com sua bondade. Consegue abandonar-se, entreguar-se a Deus, a quem a humildade no amor dá mais honra do que todas as vitórias. Porque ''a alma é tão delicada que só Deus lhe pode tocar”.

 

SEGUNDA FEIRA DA SEMANA SANTA

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Isaías 42,1-7)

42 1 "Eis meu Servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião. 
2 Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas. 
3 Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá, 
4 até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos". 
5 Eis o que diz o Senhor Deus que criou os céus e os desdobrou, que firmou a terra e toda a sua vegetação, que dá respiração a seus habitantes, e o sopro vital àqueles que pisam o solo: 
6 "Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações; 
7 para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas". 
 

B)  Salmo 26/27

O Senhor é minha luz e salvação.

O Senhor é minha luz e salvação;
de quem eu terei medo?
O Senhor é a proteção da minha vida;
perante quem eu tremerei?

Quando avançam os malvados contra mim,
querendo devorar-me,
são eles, inimigos e opressores,
que tropeçam e sucumbem.

Se contra mim um exército se armar,
não temerá meu coração; 
se contra mim uma batalha estourar,
mesmo assim confiarei.

Sei que a bondade do Senhor eu hei de ver
na terra dos viventes.
Espera no Senhor e tem coragem,
espera no Senhor!

 

C)    Evangelho segundo São João (12,1-11)


12 1 Seis dias antes da Páscoa, foi Jesus a Betânia, onde vivia Lázaro, que ele ressuscitara. 
2 Deram ali uma ceia em sua honra. Marta servia e Lázaro era um dos convivas. 
3 Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo. 
4 Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair, disse: 
5 "Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?" 
6 Dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam. 
7 Jesus disse: "Deixai-a; ela guardou este perfume para o dia da minha sepultura. 
8 Pois sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis". 
9 Uma grande multidão de judeus veio a saber que Jesus lá estava; e chegou, não somente por causa de Jesus, mas ainda para ver Lázaro, que ele ressuscitara. 
10 Mas os príncipes dos sacerdotes resolveram tirar a vida também a Lázaro, 
11 porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam e acreditavam em Jesus.
 

 

 

2)             COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos Bíblicos que ajudam a entender os textos de hoje:

                “Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te ordeno: abre a mão em favor do teu irmão, do humilde e do pobre em tua terra”  (Dt  15,11).

 

B)           Mensagem:

        A imagem que temos diante dos olhos fala muito por si mesma. Começa a última semana da vida pública de Jesus (não é, portanto, por acaso que este texto do Evangelho de João está colocado aqui; ele está em estreita relação com a Páscoa de Jesus, com a sua morte e ressurreição). Falta uma semana para a festa da Páscoa (mais precisamente seis dias). Oferecem para Jesus um jantar em Betânia. A sua família de amigos está presente, e cada qual ocupando o papel que lhe é característico (cf. o que já foi apresentado pelo evangelhista nos capítulos anteriores, dez e onze): Marta serve a mesa, Lázaro o acompanha à mesa como amigo, e Maria, a que o escuta, que ouve a sua palavra atentamente, desligada de tudo o demais, irá fazer um gesto de homenagem a ele, expressão de carinho, de amor, e junto disso, uma intuição sensível (o que é próprio do amor) da sua situação mais profunda, a ponto de antecipar simbolicamente o que está para acontecer. É só porque já o conhecia intimamente, o ouvia, o conhecia na sua identidade, que Maria pode ter essa percepção intuitiva, essa espécie de pressentimento do que lhe passa no coração e do que está para acontecer. Ela lava-lhe os pés com um perfume caríssimo, nardo puro, proveniente da Índia, e o enxuga com os seus cabelos, de maneira que toda a casa fica repleta do odor do perfume. Lavar os pés dos visitantes, especialmente antes das refeições, fazia parte dos costumes próprios da hospitalidade Judaica (cf. texto de Simão e a mulher pecadora: Lc 7), mas não com essa prodigalidade, com essa liberalidade, essa efusão expressiva de carinho e admiração. Provavelmente Maria não era rica assim para gastar um perfume tão caro todo de uma vez! Mas, ela derramou-o todo para aquele que era o seu tudo: “Maria escolheu a melhor parte e essa não lhe será tirada”. Judas Iscariotes reage ao exagero do gesto, à sua prodigalidade. Aquele perfume custava mais ou menos o equivalente a trezentas diárias de trabalho (300 denários; ou seja, o salário de dez meses: realmente era caro o perfume).

        Tal dinheiro poderia ser dado aos pobres. Aparentemente é uma preocupação muito bonita a de Judas, mas o evangelista esclarece que isso era pura aparência; na verdade Judas pretendia roubar o dinheiro da “caixa comum” dos discípulos, que ficava sob sua responsabilidade. Temos, portanto, de um lado a atitude gratuita, pródiga, liberal, generosa, magnânima de Maria, que ama, e ao amar conhece o profundo do coração e o que se passa nele; de outro lado, temos a atitude mesquinha, sovina, avara, intesseira de Judas, alguém que olha a vida por um interesse aparente e mundano, o dinheiro, e por causa dele, trairá Jesus.

        De fato, a generosidade, a liberalidade, são características muito próprias do nosso Deus. Ele não retém nada para si, e nos dá o seu próprio Filho, e com ele nos dá tudo (“quem não poupou o seu próprio Filho, há de nos dar tudo junto com ele”: Rm 8,32). Jesus, por sua vez, também não reteve nada para si: “sendo rico se fez pobre para que fôssemos justiça de Deus”; ... “esvaziou-se a si mesmo, não retendo para si nem a sua condição divina” (Fl 2, 6-11): não se apegou a seus privilégios, realmente esvaziou-se, mas não como fim, senão como meio, para encher-nos da riqueza de Deus, sua justiça, sua graça. E Ele mesmo ensinou-nos que déssemos do que temos, mas com prodigalidade, com generosidade, “de graça recebestes, de graças dai”, deixando de lado toda atitude de retenção para si, mesquinhêz e avareza, como o fez o homem da parábola, que mandou construir celeiros para acumular a sua riqueza. Aqui a “traça corrói...”“importa mais ajuntar tesouros para a vida eterna, onde a traça não corrói”...

        E mais que dar do que temos, Jesus nos ensinou a dar de nós mesmos, a entregar-nos ao seu serviço, no serviço dos irmãos: “quem perder a própria vida, vai ganhá-la, mas quem procurar salvar a própria vida vai perdê-la”. São Paulo, que organizou uma coleta para a comunidade pobre de Jerusalém, diz de maneira lapidar para incentivar os irmãos de outras Igrejas a colaborarem nessa coleta: “há mais alegria em dar do que em receber”; ... e elogia a generosidade da pobre comunidade de Corinto, que “em meio a muitas tribulações e em pobreza extrema, com grande alegria, transbordaram em tesouros de prodigalidade” (2Cor 8,2), tornando-se assim “modelo de comprovada virtude para as outras comunidades, por causa da sua capacidade de partilhar os seus bens” (2Cor 9,13), e dessa forma “suscitavam ação de graças a Deus” (2Cor 9,11). É bela a descrição de Paulo: uma comunidade pobre que alegremente partilha o que tem, e tal exemplo, superando o natural egoísmo, suscita a ação de graças a Deus, que é só quem pode fazer brotar uma tal atitude. De fato, misteriosamente, é mais comum encontrar a atitude da generosidade e liberalidade no meio dos pobres.

        Peçamos a Deus que nos dê a graça de doar-nos com generosidade ao Senhor, que derramemos as nossas vidas a seus pés, e que partilhemos generosamente com os pobres os nossos bens. Peçamos essa graça pela intercessão da Virgem Maria, que também se esvaziou a si mesma e se pôs totalmente disponível nas mãos do Pai, e entregou-lhe tudo, e por fim entregou-lhe o seu próprio Filho! Amém.

 

TERÇA-FEIRA DA SEMANA SANTA

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Isaías 49,1-6)

49 1 Ilhas, ouvi-me; povos de longe, prestai atenção! O Senhor chamou-me desde meu nascimento; ainda no seio de minha mãe, ele pronunciou meu nome. 
2 Tornou minha boca semelhante a uma espada afiada, cobriu-me com a sombra de sua mão. Fez de mim uma flecha penetrante, guardou-me na sua aljava. 
3 E disse-me: "Tu és meu servo, (Israel), em quem me rejubilarei". 
4 E eu dizia a mim mesmo: "Foi em vão que padeci, foi em vão que gastei minhas forças. Todavia, meu direito estava nas mãos do Senhor, e no meu Deus estava depositada a minha recompensa". 
5 E agora o Senhor fala, ele, que me formou desde meu nascimento para ser seu Servo, para trazer-lhe de volta Jacó e reunir-lhe Israel, (porque o Senhor fez-me esta honra, e meu Deus tornou-se minha força). 
6 Disse-me: "Não basta que sejas meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os fugitivos de Israel; vou fazer de ti a luz das nações, para propagar minha salvação até os confins do mundo".
 

 

Salmo 70/71

Minha boca anunciará vossa justiça.

Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor,
que eu não seja envergonhado para sempre!
Porque sois justo, defendei-me e libertai-me!
Escutai a minha voz, vinde salvar-me!

Sede uma rocha protetora para mim,
um abrigo bem seguro que me salve!
Porque sois a minha força e meu amparo,
o meu refúgio, proteção e segurança!
Libertai-me, ó meu Deus, das mãos do ímpio.

Porque sois, ó Senhor Deus, minha esperança,
em vós confio desde a minha juventude!
Sois meu apoio desde antes que eu nascesse,
desde o seio maternal, o meu amparo.

Minha boca anunciará todos os dias
vossa justiça e vossas graças incontáveis.
Vós me ensinastes desde a minha juventude
e até hoje canto as vossas maravilhas.

 

B)           Evangelho segundo São João (13,21-33.36-38)
 

Naquele tempo, estando à mesa com seus discípulos, 13 21 Jesus ficou perturbado em seu espírito e declarou abertamente: "Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me há de trair!" 
22 Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saber de quem falava. 
23 Um dos discípulos, a quem Jesus amava, estava à mesa reclinado ao peito de Jesus. 
24 Simão Pedro acenou-lhe para dizer-lhe: "Dize-nos, de quem é que ele fala". 
25 Reclinando-se este mesmo discípulo sobre o peito de Jesus, interrogou-o: "Senhor, quem é?" 
26 Jesus respondeu: "É aquele a quem eu der o pão embebido". Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 
27 Logo que ele o engoliu, Satanás entrou nele. Jesus disse-lhe, então: "O que queres fazer, faze-o depressa". 
28 Mas ninguém dos que estavam à mesa soube por que motivo lho dissera. 
29 Pois, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe falava: "Compra aquilo de que temos necessidade para a festa". Ou: "Dá alguma coisa aos pobres". 
30 Tendo Judas recebido o bocado de pão, apressou-se em sair. E era noite. 
31 Logo que Judas saiu, Jesus disse: "Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado nele. 
32 Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará em breve. 
33 Filhinhos meus, por um pouco apenas ainda estou convosco. Vós me haveis de procurar, mas como disse aos judeus, também vos digo agora a vós: para onde eu vou, vós não podeis ir". 
36 Perguntou-lhe Simão Pedro: "Senhor, para onde vais?" Jesus respondeu-lhe: "Para onde vou, não podes seguir-me agora, mas seguir-me-ás mais tarde". 
37 Pedro tornou a perguntar: "Senhor, por que te não posso seguir agora? Darei a minha vida por ti!" 
38 Respondeu-lhe Jesus: "Darás a tua vida por mim! Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo até que me negues três vezes".
 

 

2.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos Bíblicos que ajudam a entender os textos de hoje:

                Salmo 41(40),10 = “Até meu amigo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou o calcanhar contra mim”.

                João 8,12 = “Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”.

 

B)           Mensagem:

A imagem que temos diante dos olhos é uma das que mais falam da pessoa de Jesus: ele toma refeição com seus discípulos, ou melhor, com o pequeno grupo dos doze, escolhidos e nomeados um a um por ele. É um grupo selecionado, que conviveu com ele, partilhou a sua intimidade, o conheceu de perto, “acercou-se ao seu coração”. Não é qualquer ceia a que aqui encontramos, é a Ceia Pascal, a celebração que rememorava a libertação do povo de Israel do Egito. O contexto particular dessa celebração, no entanto, é tenso: o ambiente de adversidade e de perseguição a Jesus se acentuou nas últimas semanas (especialmente na última, como vimos ontem). Jesus está confuso internamente, angustiado, comovido, com pavor (medo), ele “se perturba internamente”. E neste momento preciso, o que o perturba é saber que “alguém que come com ele no mesmo prato”, aquele que come do mesmo pão, um companheiro (etimologicamente essa palavra significa “o que come do mesmo pão”) o entregará. A sua traição não vem de fora, de quem não o conhece, mas de quem o conhece intimamente. O texto valoriza muito o pão: “aquele a quem eu der o pão que vou umedecer no molho me entregará; ... depois do pão, entrou em Judas Satanás, ... e ele, então, tomando o pão, saiu imediatamente”. O contexto é o da instituição da Eucaristia. Jesus dirá: “esse pão é o meu corpo entregue por vós”, ... e esse mesmo pão, Judas o entregará nas mãos das autoridades.

Porque Judas entrega Jesus? Porque o trai? Será simplesmente porque era mesquinho, avaro, porque era ladrão, e o entrega unicamente por causa do dinheiro, uma quantia aliás irrisória? (ver explicação nota BJ às trinta moedas de prata). Ou será que haveria um motivo mais profundo? Quando desejamos eliminar alguém de nossa vida? Na verdade, é quando não a suportamos mais, quando sua presença é a tal ponto incômoda que a única saída é fugir ou então eliminá-la, porque ela nos serve como espelho de nossa verdade mais profunda, de nossa debilidade, de nossa fraqueza, de nosso pecado. Ela nos revela que somos necessitados de ajuda, e então só há uma saída: ou enfrentamos essa realidade e nos lançamos humildemente no abismo de Deus pedindo ajuda, ou fugimos (mas, “para onde fugir longe do teu espírito”? Salmo 139) tentando matar a Deus, eliminando-o de nossa existência. É angustiante a situação, porque é sem saída. Não há como fugir de Deus e de nós mesmos. Mas, qual será essa verdade profunda de Judas, que Jesus revela e que ele não suporta? Talvez seja uma espécie de megalomania, de egocentrismo, que o faça esperar de Jesus um messianismo triunfalista, ao qual Ele não correspondeu. E perder anos assim frustrando uma espectativa não é fácil! Seria necessário uma pesquisa mais acurada nas fontes bíblicas para ver se elas ofereçem material suficiente para penetrar mais na personalidade de Judas, e captar aí esse pecado de raiz, que o fez não suportar a Jesus e querer eliminá-lo de sua vida. Mas, o mais importante não é isso, senão o fato de que Judas não é capaz de se lançar no abismo de Deus e confiar nele, não é capaz de pedir ajuda, e assim, deixado a si próprio, acabou cedendo ao tentador. No fundo, Judas trai a Jesus porque por trás dele age o poder do mal. Com efeito, desde o inicio do relato da ceia, São João diz que “o diabo colocara no coração de Judas Iscariotes o projeto de enganá-lo” (13,2), e São Lucas dirá que ele, então, procurava o momento oportuno para fazê-lo às escondidas. Ou seja, mais que os motivos antropológicos, ou melhor, psicológicos, que levam Judas a querer eliminar Jesus, há um motivo espiritual: ele se fechou em si mesmo, se fechou à ajuda de Deus, e assim sozinho, sucumbiu à tentação do mal; por trás dele age uma força maior que ele, o diabo. Por isso São João diz: “era noite”, ... era a “hora e o poder das trevas”. “Quem me segue não andará nas trevas”, havia dito Jesus. Mas Judas já não o seguia em seu coração.

                Todos nós, seguidores de Jesus, somos seus companheiros (tomamos com ele o mesmo pão, ao redor da única mesa do seu sacrífico). Peçamos a Deus, seguindo a São Paulo (1Cor 11), a graça de não comer esse pão de maneira a condenar-nos, ou seja, com um coração dúplice, alimentando intenções contrárias ao que celebramos. E sobretudo, sejamos humildes a ponto de não nos abandonar-nos a nós mesmos em atitude de auto-suficiência; peçamos fervorosamente ao Pai: “não nos deixeis cair em tentação”; tomemos consciência de que nesse mundo agem forças espirituais sutis que estão nos tentando continuamente (o príncipe deste mundo é sorrateiro e sedutor).

        Peçamos à Virgem Maria, que tantas vezes tomou o pão à mesa com seu filho, e tantas vezes inclusive levou-o à sua boca (ela que agora na paixão o receberá novamente nos braços), nos ajude a sermos verdadeiros companheiros de Jesus: que lhe sejamos fiéis, leais, com sinceridade de coração, em atitude de constância, firmeza e prontidão. A mesma prontidão que Pedro expressa na leitura de hoje, mas também com a humildade que deverá ter nos dias seguintes (de chorar, arrepender-se e recomeçar), humildade que infelizmente faltou a Judas. O fundamental é suplicar: “creio Senhor, mas vem em auxílio da minha fé”.

QUARTA-FEIRA DA SEMANA SANTA

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Isaías 50,4-9)

50 4 O Senhor Deus deu-me a língua de um discípulo para que eu saiba reconfortar pela palavra o que está abatido. Cada manhã ele desperta meus ouvidos para que escute como discípulo; 
5 (o Senhor Deus abriu-me o ouvido) e eu não relutei, não me esquivei. 
6 Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o rosto dos ultrajes e dos escarros. 
7 Mas o Senhor Deus vem em meu auxílio: eis por que não me senti desonrado; enrijeci meu rosto como uma pedra, convicto de não ser desapontado. 
8 Aquele que me fará justiça aí está. Quem ousará atacar-me? Vamos medir-nos! Quem será meu adversário? Que se apresente! 
9 O Senhor Deus vem em meu auxílio: quem ousaria condenar-me? Cairão em frangalhos como um manto velho; a traça os roerá.

 

B)  Salmo 68 (69)

Respondei-me, pelo vosso imenso amor,
neste tempo favorável, Senhor Deus.


Por vossa causa é que sofri tantos insultos
e o meu rosto se cobriu de confusão;
eu me tornei como um estranho a meus irmãos, 
como estrangeiro para os filhos de minha mãe. 
Pois meu zelo e meu amor por vossa casa
me devoram como fogo abrasador;
e os insultos de infiéis que vos ultrajam
recaíram todos eles sobre mim!

O insulto me partiu o coração.
eu esperei que alguém de mim tivesse pena;
procurei quem me aliviasse e não achei!
Deram-me fel como se fosse um alimento,
em minha sede ofereceram-me vinagre!

Cantando, eu louvarei o vosso nome
e, agradecido, exultarei de alegria!
Humildes, vede isso e alegrai-vos:
o vosso coração reviverá
se procurardes o Senhor continuamente!
Pois nosso Deus atende à prece dos seus pobres 
e não despreza o clamor de seus cativos.

 

C)          Evangelho segundo São Mateus (26,14-25)

Naquele tempo, 26 14 um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e perguntou-lhes: 
15 "Que quereis dar-me e eu vo-lo entregarei". Ajustaram com ele trinta moedas de prata. 
16 E desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus. 
17 No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: "Onde queres que preparemos a ceia pascal?" 
18 Respondeu-lhes Jesus: "Ide à cidade, à casa de um tal, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer-te: Meu tempo está próximo. É em tua casa que celebrarei a Páscoa com meus discípulos’". 
19 Os discípulos fizeram o que Jesus tinha ordenado e prepararam a Páscoa. 
20 Ao declinar da tarde, pôs-se Jesus à mesa com os doze discípulos. 
21 Durante a ceia, disse: "Em verdade vos digo: um de vós me há de trair". 
22 Com profunda aflição, cada um começou a perguntar: "Sou eu, Senhor?" 
23 Respondeu ele: "Aquele que pôs comigo a mão no prato, esse me trairá. 
24 O Filho do Homem vai, como dele está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!" 
25 Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: "Mestre, serei eu?" "Sim", disse Jesus.

 

2.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos Bíblicos que ajudam a entender os textos de hoje:

 

                “Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo” (Filp 2,7a)

                “Se o boi ferir um escravo, dar-se-ão trinta siclos de prata ao senhor deste” (Ex 21, 32)

 

B)           Comentários:

        A imagem plástica que pode ajudar-nos a entrar nas leituras de hoje é dolorosa, revela a mesquinhez humana. Judas, um dos doze (é importante frisar isso; o evangelista o faz continuamente), vai às escondidas negociar a morte de Jesus. Se tinha motivos mais profundos para desejar a sua morte, deixou-se no entanto subverter e se tentar por um motivo frívolo: dinheiro, e pouco dinheiro. Não só entrega Jesus, mas quer sair lucrando com isso. Esse comércio da morte de Jesus aumenta a vulgaridade, a pobreza, “o baixo”, “o rasteiro” do que está acontecendo; ... é a humanidade com toda a sua pobreza. Combinam pagar-lhe “trinta moedas de prata”. É um preço irrisório, o preço pago por um escravo, conforme a legislação judaica (ver Ex 21,32). E assim, mais uma vez cumprem-se profeticamente as Escrituras. Já ao profeta Zacarias, representando a Javé, as classes dirigentes quiseram pagar, por seus serviços, a quantia irrisória de trinta moedas de prata, que era o preço de um escravo. Mas faziam-no para zombar de Javé, como sinal de desprezo a Ele.

        É o cúmulo da contradição: aquele que é o senhor de tudo, o único que é realmente livre, aquele que é a fonte da liberdade, é avaliado pelos homens como sendo escravo. Pelo seu sangue pagam o preço de um escravo, preço que servirá para comprar um terreno que será utilizado como lugar dos mortos. Realmente Jesus desce até à região dos mortos; até seu sangue inocente pagará o lugar dos mortos. Mas, isso era apenas o sentido aparente da realidade mais profunda. Paulo dará todo o sentido do acontecimento: “também nós, quando éramos menores, estávamos reduzidos à condição de escravos, debaixo dos elementos do mundo; quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu filho ... para remir os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial; ... de modo que já não és escravo, mas filho”. (Gal 4,4-7); e noutro lugar o diz ainda mais claramente: “alguém pagou alto preço pelo vosso sangue; não vos torneis, pois, escravos dos homens” (1Cor 7,23), ... ou ainda: “agora, libertos do pecado e postos ao serviço de Deus, tendes vosso fruto para a santificação, e como desfecho, a vida eterna; porque o salário do pecado é a morte, e a graça de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rom 6,22-23).Ou seja, temos de fato na morte de Cristo o “escândalo da fé”, a total inversão de papéis (e é isso o que provoca escândalo na fé cristã: assumindo a condição humana, o próprio Deus é vendido como escravo, pagam por ele o preço irrisório de um escravo), mas na verdade era Ele que, nesta mesma morte, estava comprando a liberdade daqueles que o matavam; e a um preço verdadeiramente alto, o seu sangue inocente. Assim, o preço do pecado, a morte, foi pago, e só podia ser pago com esse sangue e nenhum outro, isto é, o único sangue realmente inocente, o único que “não conhecera o pecado”. Jesus cumpre dessa forma a palavra que dissera em seus discursos: “guardei-os e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição” (Jo 17,12). Com seu sangue, Jesus recupera a todos, só não salva àqueles que optam pelo caminho da perdição.

        “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5), diz Paulo. Libertou-nos “dos elementos deste mundo”, diz ele, dos instintos egoístas; libertou-nos de nós mesmos e da maneira possessiva de relacionar-nos com o mundo. Peçamos a Deus a graça de sermos realmente livres, não só em situações particulares, mas na fonte do nosso ser; que aí não sejamos sujeitos a nada e a ninguém, especialmente não sejamos sujeitos à trama do nosso “eu avaro”, sequioso de honras, de colocar-se no centro. Que Maria, a Virgem do coração puro, realmente virginal, nos conceda do Pai chegar a essa fonte da nossa liberdade. Deixemo-nos lavar pelo sangue de Cristo; supliquemos dele que venha ao nosso coração, e que com o seu sangue, liberte-o de toda amarra que o prenda a este mundo, e o faça voar para o seu Senhor: “Quem me dera ter asas de pomba, e voar para achar um descanso! Fugiria, então, para longe e me iria esconder no deserto” (Sl 54,5.7-8).

QUINTA-FEIRA DA SEMANA SANTA

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Êxodo 12,1-14).

 

12 1 O Senhor disse a Moisés e a Aarão: 
2 “Este mês será para vós o princípio dos meses: tê-lo-eis como o primeiro mês do ano. 
3 Dizei a toda a assembléia de Israel: no décimo dia deste mês cada um de vós tome um cordeiro por família, um cordeiro por casa. 
4 Se a família for pequena demais para um cordeiro, então o tomará em comum com seu vizinho mais próximo, segundo o número das pessoas, calculando-se o que cada um pode comer. 
5 O animal será sem defeito, macho, de um ano; podereis tomar tanto um cordeiro como um cabrito. 
6 E o guardareis até o décimo quarto dia deste mês; então toda a assembléia de Israel o imolará no crepúsculo. 
7 Tomarão do seu sangue e pô-lo-ão sobre as duas ombreiras e sobre a verga da porta das casas em que o comerem. 
8 Naquela noite comerão a carne assada no fogo com pães sem fermento e ervas amargas.
11 Eis a maneira como o comereis: tereis cingidos os vossos rins, vossas sandálias nos pés e vosso cajado na mão. Comê-lo-eis apressadamente: é a Páscoa do Senhor. 
12 “Naquela noite, passarei através do Egito, e ferirei os primogênitos no Egito, tanto os dos homens como os dos animais, e exercerei minha justiça contra todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor. 
13 O sangue sobre as casas em que habitais vos servirá de sinal (de proteção): vendo o sangue, passarei adiante, e não sereis atingidos pelo flagelo destruidor, quando eu ferir o Egito. 
14 Conservareis a memória daquele dia, celebrando-o com uma festa em honra do Senhor: fareis isso de geração em geração, pois é uma instituição perpétua.

 

B)     Salmo 115 (116).

O cálice por nós abençoado

é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.

Que poderei retribuir ao Senhor Deus
por tudo aquilo que ele fez em meu favor?
Elevo o cálice da minha salvação,
invocando o nome santo do Senhor.

É sentida por demais pelo Senhor
a morte de seus santos, seus amigos.
Eis que sou o vosso servo, ó Senhor,
mas me quebrastes os grilhões da escravidão!

Por isso oferto um sacrifício de louvor,
invocando o nome santo do Senhor.
Vou cumprir minhas promessas ao Senhor
na presença de seu povo reunido.

 

C)    Evangelho segundo São Lucas (13,1-15) :

 

13 1 Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou. 
2 Durante a ceia, - quando o demônio já tinha lançado no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de traí-lo -, 
3 sabendo Jesus que o Pai tudo lhe dera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, 
4 levantou-se da mesa, depôs as suas vestes e, pegando duma toalha, cingiu-se com ela. 
5 Em seguida, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. 
6 Chegou a Simão Pedro. "Mas Pedro lhe disse: Senhor, queres lavar-me os pés!"
7 Respondeu-lhe Jesus: "O que faço não compreendes agora, mas compreendê-lo-ás em breve". 
8 Disse-lhe Pedro: "Jamais me lavarás os pés!" Respondeu-lhe Jesus: "Se eu não tos lavar, não terás parte comigo".
9 Exclamou então Simão Pedro: "Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça". 
10 Disse-lhe Jesus: "Aquele que tomou banho não tem necessidade de lavar-se; está inteiramente puro. Ora, vós estais puros, mas nem todos!"
11 Pois sabia quem o havia de trair; por isso, disse: "Nem todos estais puros". 
12 Depois de lhes lavar os pés e tomar as suas vestes, sentou-se novamente à mesa e perguntou-lhes: "Sabeis o que vos fiz? 
13 Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. 
14 Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. 
15 Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. 

 

 

3.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos Bíblicos que ajudam a entender os textos de hoje:

- Principal: Jo 13,7: “o que faço agora não o compreendes, mais tarde o compreenderás” (só será compreendido depois do Batismo de sangue, a morte de Jesus).

 

João 13,34: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.

Lucas 22,27: “Qual é o maior, o que está à mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve”.        

Lucas 12,37: “Felizes os servos que o Senhor, à sua chegada, os encontrar vigilantes. Em verdade, eu vos digo, ele se cingirá e os colocará a mesa, e passando de um a outro, os servirá”.      

Filipenses 2,7a.8: “Esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo; ... humilhou-se e foi obediente até à morte, e morte de cruz”.

 

B)           Introdução:

Tema do serviço: (servir, favorecer, aproveitar, convir, satisfazer ...). O serviço que Jesus nos presta, a satisfação, aquilo que nos aproveita, é a nossa salvação, a remissão dos nossos pecados, o “lavado” dos nossos pecados, o “banho no seu sangue”.    

Ap 7,14 = “lavaram suas vestes no sangue do cordeiro”.

Servir uns aos outros: aproveitar ao máximo o bem do outro, ajudá-lo em sua salvação, até com a própria vida se for preciso (pela sua salvação: isso é verdadeiro amor, como o de Jesus).  

Imagem: última ceia = Jesus assumindo o papel dos servos, dos escravos, que lavavam os pés dos convivas, e que se punham a servi-los. Imaginar banquetes importantes, ou mesmo nossas festas: Quem serve? A quem valorizamos? Qual é a nossa atitude interna: como valorizamos os diferentes participantes?

 

C)          Argumentos:

 

1º) Jesus é Senhor, tem domínio da situação (sabe que chegou a sua hora de passagem deste mundo para o Pai, sabe que o Pai lhe entregou tudo); no entanto, assume uma posição de servo (toma o traje de escravo, servidor, e começa a servir).

2º) Diálogo com Pedro:

        Jesus: “O que eu faço, não compreenderás agora”: Por que? Porque o gesto de serviço e purificação que Jesus está fazendo agora é apenas uma antecipação simbólica do que acontecerá na cruz: aí o seu sangue nos lavará de todos os nossos pecados. Aí o serviço que ele veio cumprir em missão, enviado pelo Pai, se cumprirá: “recuperar o que estava perdido”, “salvar e não condenar”; “é pelo seu sangue que temos a redenção, a remissão dos pecados” (Ef 1). “Agora, vós que outrora estáveis longe, fostes trazidos para perto pelo sangue de Cristo”(Ef 2,13).

        Pedro: “Jamais me lavarás os pés”: É a atitude de orgulho, de soberba, de fechamento: não acolher o gesto de amor de Jesus, o seu “abaixamento”; não aceitar o seu amor e o seu perdão; não deixar-se amar (para isso é necessário humildade, reconhecer-se necessitado). Judas não consegue dar esse passo. Fechou-se no seu orgulho.

        Jesus: “Não terás parte comigo”. Acolher Jesus em sua missão de redentor, deixar-se lavar por seu sangue, ter fé nele e na sua missão, aceitá-lo no seu papel de “meu salvador” (que “me amou e se entregou por mim”), é a única condição para “ter parte com ele”, ser seu discípulo. Isso significará também “ter parte no seu mesmo destino”, participar da mesma paixão – mas quem participar da sua paixão, vai participar também da sua glória. Pedro vai participar da sua paixão (morrerá mártir). A Tiago e a João já perguntara: “podereis beber do meu cálice?

        Pedro: “não apenas os pés”: expressão de generosidade, de amor, desejo de partilhar a vida com ele, de ser “dos seus”, de “fazer parte com ele”, de ser da “parte dele” (do partido dele).

        Jesus: “quem já se lavou já está puro”: No discurso de despedida, Jesus dirá: “Vós já estais puros, por causa da palavra que vos fiz ouvir”. A Palavra de Jesus nos purifica, mas necessita ser acolhida (é como na parábola da semente). Judas não a havia acolhido.

 

3°) Conclusão do próprio Jesus:

        Se Ele, mestre e senhor, se pôs a servir a mesa e a lavar os pés dos convivas (papel do servo), Ele o fez como exemplo, para que os discípulos façam o mesmo: o mesmo aqui significa “amar até o fim”, “dar a própria vida”, “amar como ele amou”, “servir como ele serviu” (dando seu sangue para nos salvar). O novo mandamento é “amar como Ele amou”, até o fim, até o sacrificio da própria vida. Este é o grande serviço: o sacrifício de si mesmo.

 

D)        Atualização com perguntas:

        Acolho a Jesus, “Servo de Javé”? Aceito a Ele como está, na cruz?

        Aceito que Ele se humilhe e lave meus pés? Deixo-me lavar pelo seu sangue? Deixo-me amar por Ele? Há um grande perigo de fechamento; não é tão fácil aceitar o amor gratuito, que perdoa.

        Assumo atitude de serviço em relação aos outros? Fico disputando os primeiros lugares? Sou capaz de perdoar, de “lavar os pés”, os pecados dos outros, de realmente apagá-los, limpá-los?

 

E)   Oração:

Terminar rezando o “Alma de Cristo”, detendo-se nas palavras: “Sangue de Cristo: purificai-me, água do lado de Cristo, lavai-me”.

Alma de Cristo, santificai-me
Corpo de Cristo, salvai-me
Sangue de Cristo, inebriai-me
Água do lado de Cristo, lavai-me
Paixão do Senhor, confortai-me

Ó bom Jesus, ouvi-me
Nas vossas chagas escondei-me
Não permitais que eu me separe de Vós
Do espírito malígno, defendei-me
Na hora da morte, chamai-me
E mandai-me ir para Vós
para que Vos louve com os Vossos Santos
pelos séculos dos séculos, Amém!

 

SEXTA-FEIRA DA SEMANA SANTA

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Isaías 52,13-53,12):

 

52 13 Eis que meu Servo prosperará, crescerá, elevar-se-á, será exaltado. 
14 Assim como, à sua vista, muitos ficaram embaraçados – tão desfigurado estava que havia perdido a aparência humana -, 
15 assim o admirarão muitos povos: os reis permanecerão mudos diante dele, porque verão o que nunca lhes tinha sido contado, e observarão um prodígio inaudito. 
53 1 Quem poderia acreditar nisso que ouvimos? A quem foi revelado o braço do Senhor? 
2 Cresceu diante dele como um pobre rebento enraizado numa terra árida; não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia seduzir-nos.
3 Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele. 
4 Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. 
5 Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniqüidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas. 
6 Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, seguíamos cada qual nosso caminho; o Senhor fazia recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós. 
7 Foi maltratado e resignou-se; não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. (Ele não abriu a boca.) 
8 Por um iníquo julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender sua causa, quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo? 
9 Foi-lhe dada sepultura ao lado de facínoras e ao morrer achava-se entre malfeitores, se bem que não haja cometido injustiça alguma, e em sua boca nunca tenha havido mentira. 
10 Mas aprouve ao Senhor esmagá-lo pelo sofrimento; se ele oferecer sua vida em sacrifício expiatório, terá uma posteridade duradoura, prolongará seus dias, e a vontade do Senhor será por ele realizada. 
11 Após suportar em sua pessoa os tormentos, alegrar-se-á de conhecê-lo até o enlevo. O Justo, meu Servo, justificará muitos homens, e tomará sobre si suas iniqüidades. 
12 Eis por que lhe darei parte com os grandes, e ele dividirá a presa com os poderosos: porque ele próprio deu sua vida, e deixou-se colocar entre os criminosos, tomando sobre si os pecados de muitos homens, e intercedendo pelos culpados.

 

B)     Salmo 30 (31) :

Ó Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito.


Senhor, eu ponho em vós minha esperança;
que eu não fique envergonhado eternamente!
Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito, 
porque vós me salvareis, ó Deus fiel!

Tornei-me o opróbrio do inimigo,
o desprezo e zombaria dos vizinhos
e objeto de pavor para os amigos;
fogem de mim os que me vêem pela rua.
Os corações me esqueceram como um morto,
e tornei-me como um vaso espedaçado.

A vós, porém, ó meu Senhor, eu me confio
e afirmo que só vós sois o meu Deus!
Eu entrego em vossas mãos o meu destino;
libertai-me do inimigo e do opressor!

Mostrai serena a vossa face ao vosso servo
e salvai-me pela vossa compaixão.
Fortalecei os corações, tende coragem,
todos vós que ao Senhor vos confiais!

 

C)    Evangelho segundo São João (Jo 18,1-19,42):

 

Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo João. 
N: Naquele tempo, 1 Jesus saiu com os seus discípulos para além da torrente de Cedron, onde havia um jardim, no qual entrou com os seus discípulos. 2 Judas, o traidor, conhecia também aquele lugar, porque Jesus ia freqüentemente para lá com os seus discípulos. 3 Tomou então Judas a coorte e os guardas de serviço dos pontífices e dos fariseus, e chegaram ali com lanternas, tochas e armas. 4 Como Jesus soubesse tudo o que havia de lhe acontecer, adiantou-se e perguntou-lhes: 
P: A quem buscais? 
N: 5 Responderam: 
G: A Jesus de Nazaré. 
N: Jesus respondeu: 
P: Sou eu. 
N: Também Judas, o traidor, estava com eles. 6 Quando lhes disse Sou eu, recuaram e caíram por terra. 7Perguntou-lhes ele, pela segunda vez: 
P: A quem buscais? 
N: Disseram: 
P: A Jesus de Nazaré. 
N: 8 Replicou Jesus: 
P: Já vos disse que sou eu. Se é, pois, a mim que buscais, deixai ir estes. 
N: 9 Assim se cumpriu a palavra que disse: “Dos que me deste não perdi nenhum”. 10 Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. O servo chamava-se Malco.11 Mas Jesus disse a Pedro: 
P: Enfia a tua espada na bainha! Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu? 
N: 12 Então a corte, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o ataram. 13 Conduziram-no primeiro a Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Caifás fora quem dera aos judeus o conselho: Convém que um só homem morra em lugar do povo. 15 Simão Pedro seguia Jesus, e mais outro discípulo. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote, porém 16Pedro ficou de fora, à porta. Mas o outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu e falou à porteira, e esta deixou Pedro entrar. 17 A porteira perguntou a Pedro: 
L: Não és acaso também tu dos discípulos desse homem? 
N: Respondeu Pedro: 
L: Não o sou. 
N: 18 Os servos e os guardas acenderam um fogo, porque fazia frio, e se aqueciam. Com eles estava também Pedro, de pé, aquecendo-se. 19 O sumo sacerdote indagou de Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. 20Jesus respondeu-lhe: 
P: Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas. 21 Por que me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei. 
N: 22 A estas palavras, um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? Replicou-lhe Jesus: 
P: 23 Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que me bates? 
N: 24 Anás enviou-o preso ao sumo sacerdote Caifás. 25 Simão Pedro estava lá se aquecendo. Perguntaram-lhe: 
G: Não és porventura, também tu, dos seus discípulos? 
N: Pedro negou: 
L: Não! 
N: 26 Disse-lhe um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha: 
L: Não te vi eu com ele no horto? 
N: 27 Mas Pedro negou-o outra vez, e imediatamente o galo cantou. 28 Da casa de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de manhã cedo. Mas os judeus não entraram no pretório, para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa. 29 Saiu, por isso, Pilatos para ter com eles, e perguntou: 
L: Que acusação trazeis contra este homem? 
N: 30 Responderam-lhe: 
G: Se este não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti. 
N: 31 Disse, então, Pilatos: 
L: Tomai-o e julgai-o vós mesmos segundo a vossa lei. 
N: Responderam-lhe os judeus: 
G: Não nos é permitido matar ninguém. 
N: 32 Assim se cumpria a palavra com a qual Jesus indicou de que gênero de morte havia de morrer. 33 Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: 
L: És tu o rei dos judeus? 
N: 34 Jesus respondeu: 
P: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? 
N: 35 Disse Pilatos: 
L: Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste? 
N: 36 Respondeu Jesus: 
P: O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo. 
N: 37 Perguntou-lhe então Pilatos: 
L: És, portanto, rei? 
N: Respondeu Jesus: 
P: Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz. 
N: 38 Disse-lhe Pilatos: 
L: O que é a verdade? 
N: Falando isso, saiu de novo, foi ter com os judeus e disse-lhes: 
L: Não acho nele crime algum. 39 Mas é costume entre vós que pela Páscoa vos solte um preso. Quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus? 
N: 40 Então todos gritaram novamente e disseram: 
G: 19 1 Não! A este não! Mas a Barrabás! 
N: Barrabás era um salteador. Pilatos mandou então flagelar Jesus. 2 Os soldados teceram de espinhos uma coroa e puseram-lha sobre a cabeça e cobriram-no com um manto de púrpura. 3 Aproximavam-se dele e diziam: 
G: Salve, rei dos judeus! 
N: E davam-lhe bofetadas. 4 Pilatos saiu outra vez e disse-lhes: 
L: Eis que vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele nenhum motivo de acusação. 
N: 5 Apareceu então Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse: 
L: Eis o homem! 
N: 6 Quando os pontífices e os guardas o viram, gritaram: 
G: Crucifica-o! Crucifica-o! 
N: Falou-lhes Pilatos: 
L: Tomai-o vós e crucificai-o, pois eu não acho nele culpa alguma. 
N: Responderam-lhe os judeus: 
G: 7 Nós temos uma lei, e segundo essa lei ele deve morrer, porque se declarou Filho de Deus. 
N: 8 Estas palavras impressionaram Pilatos. 9 Entrou novamente no pretório e perguntou a Jesus: 
L: De onde és tu? 
N: Mas Jesus não lhe respondeu. 10 Pilatos então lhe disse: 
L: Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e para te crucificar? 
N: 11 Respondeu Jesus: 
P: Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado. Por isso, quem me entregou a ti tem pecado maior. 
N: 12 Desde então Pilatos procurava soltá-lo. Mas os judeus gritavam: 
G: Se o soltares, não és amigo do imperador, porque todo o que se faz rei se declara contra o imperador. 
N: 13 Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado Lajeado, em hebraico Gábata. 14 Era a Preparação para a Páscoa, cerca da hora sexta. Pilatos disse aos judeus: 
L: Eis o vosso rei! 
N: 15 Mas eles clamavam: 
G: Fora com ele! Fora com ele! Crucifica-o! 
N: Pilatos perguntou-lhes: 
L: Hei de crucificar o vosso rei? 
N: Os sumos sacerdotes responderam: 
G: Não temos outro rei senão César! 
N: 16 Entregou-o então a eles para que fosse crucificado. Levaram então consigo Jesus. 17 Ele próprio carregava a sua cruz para fora da cidade, em direção ao lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota. 18 Ali o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio. 19 Pilatos redigiu também uma inscrição e a fixou por cima da cruz. Nela estava escrito: “Jesus de Nazaré, rei dos judeus”. 20 Muitos dos judeus leram essa inscrição, porque Jesus foi crucificado perto da cidade e a inscrição era redigida em hebraico, em latim e em grego. 21 Os sumos sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos: 
G: Não escrevas: “Rei dos judeus”, mas sim: “Este homem disse ser o rei dos judeus”. 
N: 22 Respondeu Pilatos: 
L: O que escrevi, escrevi. 
N: 23 Depois de os soldados crucificarem Jesus, tomaram as suas vestes e fizeram delas quatro partes, uma para cada soldado. A túnica, porém, toda tecida de alto a baixo, não tinha costura. 24 Disseram, pois, uns aos outros: 
G: Não a rasguemos, mas deitemos sorte sobre ela, para ver de quem será. 
N: Assim se cumpria a Escritura: “Repartiram entre si as minhas vestes e deitaram sorte sobre a minha túnica”. Isso fizeram os soldados. 25 Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. 26 Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: 
P: Mulher, eis aí teu filho. 
N: 27 Depois disse ao discípulo: 
P: Eis aí tua mãe. 
N: E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa. 28 Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: 
P: Tenho sede. 
N: 29 Havia ali um vaso cheio de vinagre. Os soldados encheram de vinagre uma esponja e, fixando-a numa vara de hissopo, chegaram-lhe à boca. 30 Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: 
P: Tudo está consumado. 
N: Inclinou a cabeça e rendeu o espírito. 
(Todos se ajoelham em silêncio) 
N: 31 Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32Vieram os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro, que com ele foram crucificados. 33 Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, 34 mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água. 35 O que foi testemunha desse fato o atesta (e o seu testemunho é digno de fé, e ele sabe que diz a verdade), a fim de que vós creiais. 36 Assim se cumpriu a Escritura: “Nenhum dos seus ossos será quebrado”. 37 E diz em outra parte a Escritura: “Olharão para aquele que transpassaram”. 38 Depois disso, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus, mas ocultamente, por medo dos judeus, rogou a Pilatos a autorização para tirar o corpo de Jesus. Pilatos permitiu. Foi, pois, e tirou o corpo de Jesus.39 Acompanhou-o Nicodemos (aquele que anteriormente fora de noite ter com Jesus), levando umas cem libras de uma mistura de mirra e aloés. 40 Tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no em panos com os aromas, como os judeus costumam sepultar. 41 No lugar em que ele foi crucificado havia um jardim, e no jardim um sepulcro novo, em que ninguém ainda fora depositado. 42 Foi ali que depositaram Jesus por causa da Preparação dos judeus e da proximidade do túmulo. 

 

2.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Mensagem:

                Vamos acompanhar os passos de Jesus em sua paixão seguindo somente segundo o Evangelho de São João, sem referir-nos aos paralelos sinóticos:

 

1ª cena = Prisão

        O que chama a atenção é a soberania de Jesus, o seu total domínio da situação: “sabendo tudo o que lhe aconteceria, ele se adiantou...”. O próprio Jesus se apresenta àqueles que o procuram (a guarda romana, acompanhados de Judas; não é necessário que Judas o “apresente” com o beijo, ele próprio se apresenta).

        “A quem procurais?”, pergunta Jesus. Respondem: “A Jesus, o Nazareno”. Jesus diz: “SOU EU”. Belo diálogo. É uma pergunta feita ao homem de todos os tempos e lugares: A quem procuras? Todo homem procura o salvador para a sua situação de indigência existencial; e este só pode ser Jesus de Nazaré. “SOU EU”, duas vezes repetido, insiste claramente na designação do nome de Javé revelado a Moisés, e que João frisa no seu Evangelho ser Jesus.

        Quando Jesus diz: “SOU EU”, eles recuam e caem por terra. A revelação de Deus não pode ser suportada pelo homem (ninguém pode ver a face de Deus e permanecer vivo, segundo o Antigo Testamento). Assim como Moisés tem de retroceder e tirar as sandálias, estes homens têm de retroceder, e caem ante tão grande poder:

        “Quando os malfeitores avançam contra mim, para devorar minha carne, são eles, meus adversários e meus inimigos, que tropeçam e caem” (Sl 26,2); ... “voltem-se para trás e sejam confundidos os que planejam o mal conta mim” (Sl 35,4). 

        Pedro recorre à força, mas Jesus o repreende, plenamente consciente do que está acontecendo e do que ele está fazendo: “Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (corresponde ao “Getsêmani” dos Sinóticos, mas aqui Jesus é sereno, tranquilo, soberano). Tal senhorio sobre a situação, a plena consciência, expressa-se ainda no que diz sobre os discípulos, pede que os deixe partir, pois “não quer perder a nenhum dos que lhe foi confiado” (tema importante e que volta constantemente no Evangelho de João).

 

2ª cena: Na “casa” do Sumo-Sacerdote (ou no seu local de trabalho).

        Acontecem duas cenas simultaneamente: o que acontece, por um lado, com Jesus (dentro da casa, diante do sumo-sacerdote), e o que acontece, por outro lado, a Pedro (no jardim da mesma casa).

 a) O que acontece com Jesus: os guardas levam-no amarrado aos sumo-sacerdotes (primeiro ao antigo sumo-sacerdote, Anás,  que gozava de muito prestígio, e este o envia ao sumo-sacerdote daquele ano, seu genro Caifás – ver nota BJ a Lucas 3,2). Anás interroga-o sobre sua doutrina e sobre seus discípulos. Jesus não responde, porque diz ter falado abertamente; que pergunte àqueles que o estão acusando. Por esse tratamento irreverente ao sumo-sacerdote recebe uma bofetada de um guarda. Jesus não se intimida e cobra-lhe a verdade. Não cede diante dos títulos, de pompas (sumo-sacerdote ...). Ele apenas tem diante de si a verdade.

        Continua destacando-se a soberania de Jesus. Tem plena consciência do que está acontecendo. É julgado pelo sumo-sacerdote, mas na verdade é ele quem o julga (Ele tem em si a verdade).

b) O que acontece a Pedro: Juntamente com outro discípulo (provavelmente João), Pedro vai até a casa do sumo-sacerdote. O outro discípulo entra na casa deste porque já o conhece. Pedro espera na portaria. A criada, que guarda a porta, reconhece-o como discípulo de Jesus, mas ele o nega. O outro discípulo consegue fazê-lo entrar. Está no jardim aquecendo-se junto a uma fogueira com os guardas. Um deles o reconhece como discípulo de Jesus; outro ainda, que era parente do que fora ferido por Pedro, Malco, também o reconhece; mas ele nega insistentemente. Então o galo canta. São João não faz nenhum comentário sobre a reação de Pedro (sabemos pelos Sinóticos que Pedro chora).

        Pedro não foge, continua seguindo Jesus, mas “de longe”. Não tem coragem de manifestar-se abertamente por causa das consequências que sofreria (me faz lembrar as palavras de Jesus: “que o seu sim seja sim, e o seu não seja não, o mais vem do diabo” ..., ou do Apocalipse 2: “Seja quente ou frio, o morno eu vomito”). Pedro nesse momento é o discípulo do seguimento pela metade (“se o negamos, ele não nos renegará”: 2 Tim 2,12).

 

3ª cena: diante de Pilatos, Procurador romano:

        São várias altercações de sub-cenas de diálogo entre Pilatos e o povo, por um lado, e Pilatos e Jesus, por outro.

a) Pilatos e o povo (quem é este povo: só as autoridades – sumo-sacerdotes, ou é um grupo maior, ou a multidão? Não fica claro).

        Já o dia clareou. Os trâmites com as autoridades judaicas acontecem à noite. Certamente esperavam chegar a luz do dia para “incomodar” o procurador; o interesse e o apremio com a questão era deles, por isso o fazem à noite; além disso para não ter a resistência do povo:

        Os Sinóticos dizem que Judas procurava uma forma de entregá-lo às escondidas.

        Levam-no ao Pretório, o tribunal do Procurador Romano, Pilatos. Não entram no Pretório porque é festa da Páscoa e devem estar puros para celebrá-la, e entrar na casa de um gentio constituía uma impureza legal (cf. At 11,21 e nota BJ). Então Pilatos sai para dialogar com eles.

        O assunto do diálogo é a causa da condenação de Jesus. Os judeus dizem que ele é um “malfeitor” (“foi contado entre os malfeitores”), querem matá-lo, mas os romanos haviam proibido ao Sinédrio o direito de vida e de morte; o máximo que podiam fazer segundo a lei era apedrejá-lo (ver nota BJ). Mas, esses percalços da lei (como sempre no Evangelho de João) apenas permitem que se cumpra a Escritura sobre o  seu tipo de morte: “assim como Moisés levantou a serpente no deserto, da mesma forma é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14).

        Assim se cumpre a Palavra a respeito do seu tipo de morte: “levantado numa cruz”, de maneira que a salvação vem do “olhar” (ao contemplar) o Cristo crucificado (“quando eu for elevado, atrairei todos a mim”: Jo 12,32).

 

b) Pilatos e Jesus:

        O diálogo agora é no interior do  Pretório, só entre Pilatos e Jesus. O assunto é sobre a condição de Jesus, se é rei ou não. Pilatos certamente recebeu essa acusação das autoridades judaicas, por isso interroga-o. A resposta primeira de Jesus é muito sutil, porque faz Pilatos enfrentar-se consigo mesmo: “dizes isso por ti mesmo ou foram outros que te disseram isso de mim?”. Pilatos quer mostrar uma isenção, uma pureza, uma objetividade diante da situação (como que dizendo: esse é um problema de vocês, “eu não sou judeu”), mas Jesus o faz sentir que é impossível ficar neutro diante dele (no fundo, a pergunta feita a Pilatos é: “para você quem sou eu? Para você eu sou rei ou não? Sou condenável ou não? Por que não se posiciona por você mesmo, em vez de levar-se pelo que os outros dizem? (“Ele não julgará pelas aparências nem pelo que ouviu dizer”, se diz de Jesus).

        A resposta profunda de Jesus, porém, é outra: “Meu reino não é deste mundo”. Já haviam tentado coroá-lo rei, mas ele fugiu (Jo 6,15). Ele não é daqui, é “do alto”, vem para dar testemunho deste outro Reino (do alto), que é a Verdade (Jo 8,23). O Reino aqui de baixo é pura aparência, sombra que passa. Mas, os que já pertencem a esse outro Reinado não são deste mundo, embora estejam nele, e estes compreendem a Jesus, ouvem-no e acolhem a sua Palavra, porque pertencem a Ele (temas caros a João, desenvolvidos nos longos discursos de Jesus ao longo do Evangelho).

        Pilatos, antes de sair, deixa em suspenso a pergunta: “o que é a Verdade?” Pergunta de sempre, que ele tinha medo de enfrentar por causa do vender-se à expectativa dos outros e às responsabilidades do seu cargo.

 

c) Pilatos e os Judeus novamente:

        Pilatos tenta negociar com o povo. Ele parece querer empenhar-se em soltar Jesus, pois “não encontra nele nenhuma culpa”. Propõe ao povo soltá-lo, seguindo o costume de soltar um preso por ocasião da Festa da Páscoa, mas o povo pede que solte Barrabás, que era um bandido. Aquele que unicamente fizera o bem, que viera para salvar o povo de Israel, é trocado por um malfeitor, um bandido.

 

d) Pilatos e Jesus novamente: flagelação pelos soldados.

        Pilatos entra novamente, mas agora assume uma atitude ativa de condenação; manda flagelá-lo.

        Continua o tema do reinado. Os soldados colocam-no uma coroa de espinhos e uma túnica de cor púrpura. Burlam-se dele como rei, inclusive verbalmente: “Salve rei dos judeus”. E o esbofeteiam. Jesus, Rei e Senhor, é burlado, tornado objeto de desprezo, de gozação, de irrisão, por parte dos homens.

 

e) Pilatos e o povo (chefes dos sacerdotes e grandes).

        Novamente Pilatos sai para fora e o apresenta ao povo, agora vestido de maneira burlesca como rei.

        Novamente parece tentar salvá-lo, dizendo “não encontrar nele nenhuma culpa”, “não vê nele nenhum motivo de condenação”. Mas, mesmo assim, ante a pressão do povo, entrega-o para ser crucificado.

        Apresenta-o: “Eis o homem!” (e assim fala de maneira profética, não fala por si mesmo, porque ai está verdadeiramente o modelo do homem verdadeiro – esse é aquele que é capaz de dar a vida pelos outros, de sair de si e amar até o fim, até às últimas consequências).

        Os sumo-sacerdotes gritam: “crucifica-o, crucifica-o!”, “nós temos uma lei, e a lei é clara: ele blasfemou, se disse Filho de Deus, merece a morte” (cf. Lev 24,16; Jo 10,33-36). Enfim aparece o motivo de fundo, o verdadeiro. Não aceitam Jesus em sua verdadeira identidade de Filho de Deus.

 

f) Pilatos e Jesus:

        Ao ouvir que Jesus se diz Filho de Deus, Pilatos fica ainda mais aterrado.

        Está impressionado com Jesus, cada vez mais assustado com a verdadeira causa da situação, e colocado diante de uma situação de decisão complicada. Esse repetido “sair para fora” do pretório e ficar em público, “voltar para dentro”, a sós com Jesus, parece refletir a sua situação: confrontado entre o seu mundo íntimo e o encontro pessoal com Jesus, o encontro com a Verdade e a sua situação pública, o seu cargo de procurador romano e a necessidade de agradar às autoridades judias (o mundo das aparências, dos compromissos assumidos, das imagens a se manter).

        Volta, então, mais uma vez para dentro do Pretório, e a sós com Jesus, lhe pergunta: “de onde és tu?” Claramente não pergunta por sua procedência geográfica, mas por sua origem misteriosa, que é o objeto de todo o Evangelho de João: é o famoso “de onde” e “para onde” que dá o fio condutor de todo o Evangelho de João: “saí do Pai e venho ao mundo; de novo deixo o mundo e vou para o Pai”  (Jo 16,28).

        Jesus se cala, nada responde. Pilatos se inquieta e lembra-o que ele tem poder para libertá-lo (melhor seria para ele mesmo que colaborasse). Jesus novamente o devolve à Verdade, ao Reino do Alto: “não tens poder algum sobre mim se não te fosse dado do alto”.

        Pilatos vai caindo em si, encontrando-se com a verdade profunda. Finalmente há o embate final dos dois mundos, o de “dentro” e o de “fora”: chegou à sua verdade última (o seu poder, o seu cargo, não é mais que um encargo, uma encomenda, foi confiado por Deus) e por outro lado, ainda dentro do pretório, escuta a voz que vem de fora, dos gritos dos judeus: “se o soltas não é amigo de César. Todo aquele que se faz rei, se opõe a César”. Quisera libertá-lo segundo o mandato da sua voz interior, mas escuta também essa voz exterior.

        Qual será a voz mais forte? Infelizmente deixou-se vencer pela voz exterior, pelas imagens que prendem, pelos cargos que amarram as pessoas nas mentiras, na escravidão. Pilatos não é um homem livre.

 

g) Pilatos e o povo:

        É  a última cena com Pilatos. Venceu a voz exterior. Ele sai para fora do pretório com Jesus, senta-o num local elevado do tribunal, chamado Gábata (que quer dizer “altura”, “eminência”) e diz: “Eis o Vosso Rei!” Também ele agora já tinha a Jesus como rei. O povo grita: “crucifica-o! ... Não temos outro rei a não ser César”. Preferem até a escravidão ao Império Romano para condenar aquele que veio  libertá-los.

        Entre esses gritos e no meio do diálogo, João anota algo importante: “era o dia da preparação da Páscoa, perto da sexta-hora”. Na verdade o que estava acontecendo não era mais que a preparação do verdadeiro Cordeiro para a celebração da Páscoa. A partir da hora sexta não devia entrar nada fermentado na casa. Na hora sexta Jesus é crucificado.

 

4ª cena: crucifixão:

        O julgamento chega ao final. Pilatos dá o veredito favorável à condenação: entrega-o para ser crucificado. O motivo da condenação aparece escrito num letreiro fixado na própria cruz, em três idiomas (hebraico, latim e grego): “Jesus Nazareno, o rei dos judeus”. O assunto central, sobre o qual se dá muitas voltas, é o seu reinado. No fundo, porém, a questão estava em ele dizer-se “Filho de Deus”.

        Os chefes dos sacerdotes e judeus reclamam da inscrição, prefeririam que se dissesse: “Este homem disse: Eu sou o rei dos judeus”. Até o fim relutam em aceitar o menor sinal de concordância com essa afirmação. Mas já era tarde, já estava escrito.

        O próprio Jesus vai carregando a sua cruz. Chegando ao Calvário, é pregado na cruz, entre dois ladrões. Assim se cumpria a profecia de Isaías sobre o “Servo de Javé”: “entregou sua alma à morte e foi contado entre os transgressores, mas na verdade levava sobre si o pecado de muitos e pelos transgressosres fez intercessão” (Isaías 53,12).

 

5ª cena: A partilha das vestes:

        Antes de o crucificarem, porém, os soldados dividem entre si a sua roupa em quatro partes, uma parte para cada um (poder-se-ia interpretar como uma referência aos quatro pontos cardeais: ele é crucificado pelo mundo inteiro, por todo o universo. Todo o universo é liberto em sua morte: “a criação geme e sofre, esperando a libertação dos filhos de Deus”).

        Sua túnica, porém, não é rasgada, mas sorteada; e assim se cumpre mais uma palavra da Sagrada Escritura: “repartiram entre si minhas roupas e sortearam minha veste”. Essa túnica sem costura pode ser uma referência ao sacerdócio de Cristo na cruz, pois a túnica do Sumo-sacerdote devia ser sem costura (cf. nota BJ).

 

6ª cena: Jesus e sua mãe:

        Próximo à cruz estão Maria, sua mãe, Maria Madalena e outras duas mulheres (ou uma, dependendo de como se entenda o texto: uma delas deve ser a mãe de Tiago e João, Maria Salomé, e a outra, Maria, mulher de Cléofas; ver Mt 27,56). Sabe-se que Jesus era seguido e acompanhado por um grupo de mulheres que o servia (e os Sinóticos as apresentam chorando na paixão de Jesus). Aqui chama a atenção a presença de Maria Madalena (de quem Jesus tinha expulsado sete demônios), e a presença de sua Mãe. Ela estava presente no primeiro sinal, nas Bodas de Caná, e com o mesmo apelativo “mulher” Jesus lhe havia dito que ainda “não chegara a hora”. Agora sim, a hora de sua manifestação ao mundo (a hora de ser glorificado pelo Pai) havia chegado plenamente.

        Juntamente com o evangelista João, essas mulheres são as únicas presenças amigas, consoladoras, que estão do lado de Jesus. Onde ficara Pedro depois do canto do galo? Estava junto com João, e este está aqui ao pé da cruz, e agora, onde estará? Provavelmente chorando ainda a sua falta de coragem, a sua infidelidade (ele que havia feito tantas promessas de fidelidade: “darei a minha vida por ti”). Terão sido horas duras para Pedro, longe de Jesus e de seu destino, e caindo em si mesmo.

        Exercício de imaginação interessante seria tentar viver esses três dias da paixão na pele de diferentes personagens, hora por hora: Pedro, Pilatos (por ex.: o que passou a Pilatos depois da crucifixão, quais seriam suas crises de consciência, a lembrança da pergunta pela verdade...).

        Jesus confia João a Maria: “Eis aí o teu filho”, e também a inversa: “Eis aí a tua mãe”. Jesus coloca João no seu lugar, e assim vincula Maria diretamente à obra que ele começara: ela é mãe da comunidade por ele fundada, eles são filhos da mãe de Jesus, filhos dela por causa de Jesus (assim como somos Filhos de Deus por adoção, em consideração à herança que recebemos do filho verdadeiro).

        Segundo a nota da Bíblia de Jerusalém (BJ), o contexto de cumprimento das Escrituras (várias vezes repetido na paixão segundo João: 19,24.28.36.37) parece proclamar Maria como a nova Era, mãe do Novo Israel, a Igreja representada pelo discípulo amado: é a maternidade espiritual de Maria.

 

7ª cena: a morte de Jesus.

        Apesar do dramático da situação, o Jesus de João continua soberano, absoluto senhor de si e da situação, consciente do papel de cada pessoa, do que estava previsto pela Escritura, da sua missão. Assim como entregara a Maria e João a sua função na continuação da sua história de salvação, agora “sabendo que tudo estava consumado”, disse, para que se cumprisse a Escritura até o fim: “tenho sede”. Nem parece que Jesus tenha sede de verdade, apenas o faz para cumprir as Escrituras: “o meu paladar está seco como um caco, e minha língua se cola ao paladar...” (Sl 22,1-16); “como o alimento deram-me féu, e na minha sede fizeram-me beber vinagre”  (Sl 69,8-22).

        Jesus toma o vinagre e diz: “está consumado”. Tantas vezes, no Evangelho de João, Jesus havia dito que tinha saído do Pai para consumar uma obra a ele encomendada, e caminhava para a hora da consumação dessa obra: o retorno do homem a Deus, a libertação dos seus pecados e a possibilidade de participar novamente da vida íntima com Deus, viver em união com Ele. “Meu alimento é fazer a Vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,31).

        “Inclinando a cabeça, Jesus entregou o seu Espírito”: aquele que “não tinha onde reclinar a cabeça” neste mundo (Mt 8,20), reclina-a agora no abismo de Deus Pai. E “entrega o seu Espírito”: não só se entrega nas mãos de Deus, como, para João, já é também o evento de Pentecostes: comunica o seu Espírito à Igreja.

 

8ª cena: o golpe da lança.

        Continua o Evangelista insistindo no cumprimento da Escritura a respeito da morte de Jesus; agora é o caso de não dever ter nenhum osso quebrado (cf. Sl 34,5-21) e o seu lado ser transpassado (cf. Zac 12,10). E tudo acontece por um “acaso”. Como era festa da Páscoa, o corpo não poderia permanecer pendurado na cruz, porque isso seria uma maldição e tornaria impuro o solo (cf. Dt 21,22-23); por causa dos rituais de pureza preparatórios à festa da Páscoa, era necessário tirá-lo antes da noite. Por isso, quebraram as pernas dos dois outros condenados (para que morressem mais rápido), mas ao chegar a Jesus, vendo-o já morto, o transpassaram com a lança. Do seu interior saiu sangue e água, sinal de que estava morto, mas para João era muito mais que isso: aquele de quem não se quebra nenhum osso é o Cordeiro Pascal, que tira o pecado do povo (cf. Ex 12,46). A água que corre do seu lado é o dom do Espírito Santo: “se alguém tem sede, venha a mim e beba, aquele que crê em mim, conforme a palavra da Escritura, do seu seio jorrarão rios de água viva. Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda o Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7,37-39); e o mesmo João ainda acrescenta: “Jesus, o Filho de Deus, veio pela água e pelo sangue: não com a água somente, mas com a água e o sangue; ... são três as testemunhas: o Espírito, a  água e o sangue, e os três tendem ao mesmo fim” (1Jo 5,6-8). Paulo interpreta esse texto, mais uma vez, mostrando como Jesus vai à raiz do pecado, do mal, para daí tirar-nos: “Cristo nos remiu da maldição da lei tornando-se maldição por vós, porque está escrito: 'Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro’” (Gal 3,13).

 

9ª cena: o sepultamento de Jesus:

        Jesus é sepultado por dois homens de importante posição social que, por causa disso mesmo, “eram discípulos de Jesus secretamente, por medo dos judeus”. Sua posição os facilita conseguir de Pilatos a liberação para tirar o corpo de Jesus da cruz e o sepultar. Nicodemos traz aromas, ungem o corpo de Jesus, envolvem-no em panos de linho (conforme o costume judaico) e o sepultam ali mesmo, num jardim próximo ao local onde Jesus fôra crucificado. Era um sepulcro novo, onde ninguém havia sido posto antes. “Será necessário nascer de novo”. Nicodemos deve ter isso bem vivo em sua mente, e certamente se recordará do que um dia Jesus lhe havia dito.

 

O QUE MAIS CHAMA A ATENÇÃO DA PAIXÃO EM JOÃO:

1°) Jesus é soberano, tem pleno domínio da situação, tem plena consciência do que está acontecendo, “sabe de tudo”, entende que está cumprindo a missão que o Pai lhe confiou: e assim “caminha livremente para a sua morte” (ninguém tira a sua vida, ele a dá livremente).

2°) Insiste-se muitas vezes no cumprimento das Escrituras em cada detalhe do que acontece.

3°) Junto disso, insiste-se especialmente que tudo acontece num ambiente de “preparação para a festa da Páscoa”, ou seja, Jesus é o Cordeiro Pascal que é imolado por nós.

4°) É importante a discussão sobre o “Reinado” de Jesus, como motivo da sua condenação e morte. Ainda que se vá passando do motivo mais aparente ao mais profundo: “Ele se dizia e se fazia de Filho de Deus”.

 

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Atos 10,34.37-43):

 

10 34 Então Pedro tomou a palavra e disse: “Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de pessoas, 
37 Vós sabeis como tudo isso aconteceu na Judéia, depois de ter começado na Galiléia, após o batismo que João pregou. 
38 Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele. 
39 E nós somos testemunhas de tudo o que fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, suspendendo-o num madeiro. 
40 Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e permitiu que aparecesse, 
41 não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou. 
42 Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. 
43 Dele todos os profetas dão testemunho, anunciando que todos os que nele crêem recebem o perdão dos pecados por meio de seu nome”. 

 

B)     Salmo 117 (118):

 

Este é o dia que o Senhor fez para nós:
alegremo-nos e nele exultemos!


Dai graças ao Senhor, porque ele é bom!
“Eterna é a sua misericórdia!”
A casa de Israel agora o diga:
“Eterna é a sua misericórdia!”

A mão direita do Senhor fez maravilhas,
a mão direita do Senhor me levantou.
Não morrerei, mas, ao contrário, viverei 
para cantar as grandes obras do Senhor!

A pedra que os pedreiros rejeitaram
tornou-se agora a pedra angular.
Pelo Senhor é que foi feito tudo isso:
que maravilhas ele fez a nossos olhos!

 

C)    Evangelho segundo São João (20,1-9):

 

20 1 No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. 
2 Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: “Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!” 
3 Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. 
4 Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. 
5 Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. 
6 Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. 
7 Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte. 
8 Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu. 
9 Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos. 
 

 

 

2.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos bíblicos que ajudam a compreender o tema de hoje:

Ele viu e creu; pois ainda não tinham compreendido que, conforme as Escrituras, ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 8b-9)

Vós prescrutais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39).

 

B)           Mensagem:

 

1º) Imagem que ajuda a entender as leituras de hoje:

        O sepulcro vazio: que me passa? Valorizamos o corpo de entes queridos, não queremos que os ultrajem. O que haverá passado? Não bastava a humilhação da cruz, quererão violentar ainda mais o seu corpo? Terá sido roubado? Onde está ele, se não está no túmulo? ONDE? ( agora Jesus está no Pai, e em nós por seu Espírito!).

 

2º) Temas:

                São dois, principalmente, os temas da Liturgia da Palavra de hoje: o “ver”, no sentido amplo e profundo de João, e o “crer”, no testemunho das Escrituras. No fundo, o tema da “Lectio Divina”, iluminar a vida com a Palavra de Deus.

       

        a) “Ver”: “ver” no dicionário tem muitas definições (tomo as que mais nos interessam): perceber, contemplar, investigar, indagar, examinar, analisar, perscrutar, estudar, observar, notar, advertir, entender, compreender, reparar, experimentar, imaginar, fantasiar, certificar-se de, recordar, relembrar, ponderar, considerar, atentar em, apreciar, conjecturar, deduzir.

        Como se vê, é uma palavra com um sentido em que diferentes aspectos precisam ser enfatizados. Em síntese: atitude de fixar a atenção num objeto para penetrar-lhe o sentido profundo (para extrair dele o significado, captá-lo, sugá-lo, sorvê-lo); atitude lenta, pausada, respeitosa da identidade própria do objeto (é necessário primeiro deixar-lhe falar), e depois degustar o sentido do que foi captado na mente, para compreendê-lo melhor (para isso usar memória, imaginação, vontade....).

       

        b) Crer no testemunho das Escrituras: as Escrituras são fonte de vida, porque nos transmitem a Palavra de Deus (ver Dt 4,1; 8,1-3; 30,15-20; 32,46 ss.; Br 4,1; Sl 119, etc).

        Nelas, Jesus ocupa o lugar central (ele é o seu fim, elas se dirigem para Ele: cf. Jo 1,45; 2,22; 5,39-46; 12,16-41; 19,28-36; 20,9).

        Jesus interpretou toda a sua vida à luz da Sagrada Escritura, e muito especialmente a sua paixão. Ensinou seus discípulos a interpretarem a sua vida à luz dela.

        Quando João entra e vê o túmulo vazio, primeiro “viu” (então relembrou, rememorou palavras de Jesus, rememorou textos da Escritura sobre o Messias – por isso é importantíssimo conhecê-la, quase de cor –; com o seu entendimento perscrutou, indagou, meditou e então compreendeu, entendeu); e com a sua vontade, creu, acreditou, deu seu assentimento – a  Palavra dita por Jesus, e já encontrada nas antigas Escrituras, iluminava o que ele estava vivendo.

        As Escrituras já falavam da morte em sofrimento do Messias, como um Servo Sofredor (Is 53-55), e já previam também de forma velada a sua ressurreição ao terceiro dia.

       

        c) Outros detalhes interessantes:

        O amor, a expectativa, a “ansiedade”, a saudade de Maria Madalena: ela vai ao túmulo no primeiro dia da semana, de madrugada, quando ainda está escuro. (Salmos: “A minh'alma vigia esperando o Senhor ...”).

        Pedro e João juntos são dois personagens importantes na paixão. Agora novamente estão juntos (provavelmente se acompanharam mutuamente após a morte (para consolar-se, apoiar-se); parecem estar juntos na mesma casa.

        Diz Maria Madalena: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram”. Parece mais uma afirmação da primitiva comunidade; está em plural, enquanto ela vai sozinha ao sepulcro. A afirmação suscita duas perguntas, porque está dito no indefinido: Quem retirou? E onde o colocaram? Duas perguntas cruciais no Evangelho, e que respondem ao mistério de Jesus: de onde é ele (pergunta de Pilatos) e para onde vai? Ele é do Pai, do Alto, é o Pai quem o retira do sepulcro, e o leva vitorioso, glorioso, para junto de si, à sua direita, na glória (“o Pai o glorifica”, segundo o Evangelho de João).

        Pedro “inclinou-se” para entrar no sepulcro: Para compreender esse mistério da morte, descida aos infernos e ressurreição de Cristo, é necessário inclinar-se: “passar pela porta estreita” da fé e da esperança.

 

3º) Oração:

        Virgem Maria, mãe de Jesus e mãe dos seus discípulos na pessoa do discípulo amado, vós que vistes a Jesus nascendo em ti, “crescendo em estatura, graça e sabedoria”; vós que o vistes operando milagres e ensinando com autoridade; e sobre tudo vós que o vistes transpassado na cruz; vós que sois mulher e mãe, e como Maria Madalena tendes sensibilidade para “ver” em profundidade, para ver o coração; vós que com João Evangelista estivestes aos pés da cruz, ajudai-nos a contemplar o sepulcro vazio, e ajudai-nos a contemplar o coração de Jesus aberto na cruz, e dele jorrando sangue e água. Ajudai-nos a ver o mistério de Cristo em profundidade, ajudai-nos a penetrar suas palavras; ajudai-nos a meditar sempre, silenciosa, atenta, suave e tranquilamente, e ajudai-nos a saborear aí a doçura do seguimento do Vosso Filho! Amém.

 

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

 

1.              LEITURAS BÍBLICAS:

 

A)    Primeira Leitura (Atos 10,34.37-43):

 

10 34 Então Pedro tomou a palavra e disse: “Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de pessoas, 
37 Vós sabeis como tudo isso aconteceu na Judéia, depois de ter começado na Galiléia, após o batismo que João pregou. 
38 Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele. 
39 E nós somos testemunhas de tudo o que fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, suspendendo-o num madeiro. 
40 Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e permitiu que aparecesse, 
41 não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou. 
42 Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. 
43 Dele todos os profetas dão testemunho, anunciando que todos os que nele crêem recebem o perdão dos pecados por meio de seu nome”. 

 

B)     Salmo 117 (118):

 

Este é o dia que o Senhor fez para nós:
alegremo-nos e nele exultemos!


Dai graças ao Senhor, porque ele é bom!
“Eterna é a sua misericórdia!”
A casa de Israel agora o diga:
“Eterna é a sua misericórdia!”

A mão direita do Senhor fez maravilhas,
a mão direita do Senhor me levantou.
Não morrerei, mas, ao contrário, viverei 
para cantar as grandes obras do Senhor!

A pedra que os pedreiros rejeitaram
tornou-se agora a pedra angular.
Pelo Senhor é que foi feito tudo isso:
que maravilhas ele fez a nossos olhos!

 

C)    Evangelho segundo São João (20,1-9):

 

20 1 No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. 
2 Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: “Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!” 
3 Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. 
4 Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. 
5 Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. 
6 Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. 
7 Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte. 
8 Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu. 
9 Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos. 
 

 

 

2.              COMENTÁRIOS:

 

A)         Textos bíblicos que ajudam a compreender o tema de hoje:

Ele viu e creu; pois ainda não tinham compreendido que, conforme as Escrituras, ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 8b-9)

Vós prescrutais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39).

 

B)           Mensagem:

 

1º) Imagem que ajuda a entender as leituras de hoje:

        O sepulcro vazio: que me passa? Valorizamos o corpo de entes queridos, não queremos que os ultrajem. O que haverá passado? Não bastava a humilhação da cruz, quererão violentar ainda mais o seu corpo? Terá sido roubado? Onde está ele, se não está no túmulo? ONDE? ( agora Jesus está no Pai, e em nós por seu Espírito!).

 

2º) Temas:

                São dois, principalmente, os temas da Liturgia da Palavra de hoje: o “ver”, no sentido amplo e profundo de João, e o “crer”, no testemunho das Escrituras. No fundo, o tema da “Lectio Divina”, iluminar a vida com a Palavra de Deus.

       

        a) “Ver”: “ver” no dicionário tem muitas definições (tomo as que mais nos interessam): perceber, contemplar, investigar, indagar, examinar, analisar, perscrutar, estudar, observar, notar, advertir, entender, compreender, reparar, experimentar, imaginar, fantasiar, certificar-se de, recordar, relembrar, ponderar, considerar, atentar em, apreciar, conjecturar, deduzir.

        Como se vê, é uma palavra com um sentido em que diferentes aspectos precisam ser enfatizados. Em síntese: atitude de fixar a atenção num objeto para penetrar-lhe o sentido profundo (para extrair dele o significado, captá-lo, sugá-lo, sorvê-lo); atitude lenta, pausada, respeitosa da identidade própria do objeto (é necessário primeiro deixar-lhe falar), e depois degustar o sentido do que foi captado na mente, para compreendê-lo melhor (para isso usar memória, imaginação, vontade....).

       

        b) Crer no testemunho das Escrituras: as Escrituras são fonte de vida, porque nos transmitem a Palavra de Deus (ver Dt 4,1; 8,1-3; 30,15-20; 32,46 ss.; Br 4,1; Sl 119, etc).

        Nelas, Jesus ocupa o lugar central (ele é o seu fim, elas se dirigem para Ele: cf. Jo 1,45; 2,22; 5,39-46; 12,16-41; 19,28-36; 20,9).

        Jesus interpretou toda a sua vida à luz da Sagrada Escritura, e muito especialmente a sua paixão. Ensinou seus discípulos a interpretarem a sua vida à luz dela.

        Quando João entra e vê o túmulo vazio, primeiro “viu” (então relembrou, rememorou palavras de Jesus, rememorou textos da Escritura sobre o Messias – por isso é importantíssimo conhecê-la, quase de cor –; com o seu entendimento perscrutou, indagou, meditou e então compreendeu, entendeu); e com a sua vontade, creu, acreditou, deu seu assentimento – a  Palavra dita por Jesus, e já encontrada nas antigas Escrituras, iluminava o que ele estava vivendo.

        As Escrituras já falavam da morte em sofrimento do Messias, como um Servo Sofredor (Is 53-55), e já previam também de forma velada a sua ressurreição ao terceiro dia.

       

        c) Outros detalhes interessantes:

        O amor, a expectativa, a “ansiedade”, a saudade de Maria Madalena: ela vai ao túmulo no primeiro dia da semana, de madrugada, quando ainda está escuro. (Salmos: “A minh'alma vigia esperando o Senhor ...”).

        Pedro e João juntos são dois personagens importantes na paixão. Agora novamente estão juntos (provavelmente se acompanharam mutuamente após a morte (para consolar-se, apoiar-se); parecem estar juntos na mesma casa.

        Diz Maria Madalena: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram”. Parece mais uma afirmação da primitiva comunidade; está em plural, enquanto ela vai sozinha ao sepulcro. A afirmação suscita duas perguntas, porque está dito no indefinido: Quem retirou? E onde o colocaram? Duas perguntas cruciais no Evangelho, e que respondem ao mistério de Jesus: de onde é ele (pergunta de Pilatos) e para onde vai? Ele é do Pai, do Alto, é o Pai quem o retira do sepulcro, e o leva vitorioso, glorioso, para junto de si, à sua direita, na glória (“o Pai o glorifica”, segundo o Evangelho de João).

        Pedro “inclinou-se” para entrar no sepulcro: Para compreender esse mistério da morte, descida aos infernos e ressurreição de Cristo, é necessário inclinar-se: “passar pela porta estreita” da fé e da esperança.

 

3º) Oração:

        Virgem Maria, mãe de Jesus e mãe dos seus discípulos na pessoa do discípulo amado, vós que vistes a Jesus nascendo em ti, “crescendo em estatura, graça e sabedoria”; vós que o vistes operando milagres e ensinando com autoridade; e sobre tudo vós que o vistes transpassado na cruz; vós que sois mulher e mãe, e como Maria Madalena tendes sensibilidade para “ver” em profundidade, para ver o coração; vós que com João Evangelista estivestes aos pés da cruz, ajudai-nos a contemplar o sepulcro vazio, e ajudai-nos a contemplar o coração de Jesus aberto na cruz, e dele jorrando sangue e água. Ajudai-nos a ver o mistério de Cristo em profundidade, ajudai-nos a penetrar suas palavras; ajudai-nos a meditar sempre, silenciosa, atenta, suave e tranquilamente, e ajudai-nos a saborear aí a doçura do seguimento do Vosso Filho! Amém.

 

Pe. Walterson José Vargas, ss.cc.