Missão: Vocação de toda Igreja e de todos os cristãos*

27/03/2012 08:20

 

No capítulo primeiro do Decreto Ad Gentes do Concílio Vaticano II, sobre a atividade missionária da Igreja, está a seguinte afirmação: “A Igreja peregrina é por sua natureza missionária. Pois ela se origina da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai” (AG 2).  Neste texto encontramos, de maneira clara, a origem, o propósito, o dinamismo e a orientação da missão da Igreja.

A origem da missão da Igreja é a Trindade Santa, a comunhão e o amor manifestado na ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo entre si e para com a humanidade e o mundo. O propósito da missão da Igreja é a participação de toda a humanidade na vida e na glória de Deus; a comunhão por ele e com ele para a realização plena de sua glória e de nossa felicidade - A gloria de Deus é a humanidade feliz. O dinamismo da missão da Igreja é o mesmo dinamismo da missão de Deus, que por um ato de entrega envia o Filho e o Espírito, manifestando seu imenso amor e sua excessiva misericórdia para com a humanidade. A orientação da missão da Igreja provem da Trindade Santa. Missão é antes de tudo um encontro – veio fazer-se tudo em todos – A missão é participação, pois somos chamados a participar da glória divina – A missão é comunhão, pois Deus chama toda a humanidade para congregar-nos num só povo na unidade.

A missão da Igreja flui a partir do amor de Deus, um Deus que cria, ama, salva, santifica e envia. A missão tem seu fundamento no mesmo mistério da Trindade, em suas “processões” e “missões divinas”, em Deus mesmo, cujo ser é entregar-se e comunicar-se. O horizonte da missão é o próprio Deus, mediante a Palavra e Espírito faz chegar a comunicação de seu amor e de sua vida abundante às pessoas. O fim da missão é o Reino: o novo céu e a nova terra, promessa de Deus para todos os povos. O caminho dessa missão é o caminho de Jesus Cristo, caminho de entrega, de doação, de amor, de serviço que liberta, transforma e salva. A tarefa dessa missão é a construção da comunidade humana como povo de Deus.

Quando afirmamos que a missão é vocação de toda a Igreja, ou melhor, que a Igreja é por natureza missionária, tocamos em um ponto chave: todos os cristãos são chamados a serem missionários como membros desta mesma Igreja. Falar da vocação da Igreja é falar da nossa própria vocação. A palavra vocação, em seu sentido mais expressivo, significa chamado. É quando alguém recebe um apelo, um chamamento da parte de Deus para assumir um compromisso de serviço e entrega especifica de sua vida. A pessoa que responde a este chamado busca realizar, através de sua resposta, a vontade de Deus em sua vida, assumindo de forma bem concreta todas as responsabilidades e conseqüências desta mesma resposta. Concretiza-se assim o encontro de duas vontades: do Deus que chama e dá condições de resposta e da pessoa que responde e busca ser fiel e empenhar-se na resposta contínua ao chamado.

            Porém, este processo não se realiza de maneira individual e solitária, é um processo pessoal, mas que se realiza através da comunidade de fé, da Igreja. No atual contexto, marcado por tendências individualistas e intimistas, será sempre tarefa da Igreja despertar este sentido pessoal e comunitário da vocação cristã. Ainda mais, é tarefa da própria Igreja despertar nos cristãos esta consciência missionária, inerente à vocação de cada pessoa enquanto membros da comunidade de fé, da Igreja missionária no mundo atual.

            Por sua natureza missionária a Igreja deve colaborar, para que cada um dos seus membros a partir da vocação comum – Batismo e Confirmação – possa desenvolver este aspecto inerente à vida e vocação cristã: ser missionário numa Igreja missionária. Isto supõe trabalhar deste o inicio e durante toda a vida cristã esta dimensão da missão, que comporta os aspectos da missão da Igreja citados no início deste artigo (origem, propósito, dinamismo e orientação) e, também os valores e atitudes do seguimento de Jesus (discipulado e apostolado) e da adesão ao Projeto de Deus – a proposta do Reino de Deus.

Quando afirmamos que origem da missão da Igreja está na missão do filho e Espírito Santo de acordo com a vontade do Pai, tocamos diretamente no tema do envio. É Deus que envia seu Filho ao mundo para que o mundo creia (Jo 17,21); o Filho é enviado com o Espírito e pelo Espírito “para evangelizar os pobres, proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc, 4,18). Este mesmo Jesus, enviado pelo Pai, também envia os seus discípulos – como o Pai me enviou também eu vos envio – (Jo 20,21). Os discípulos recebem de Jesus o mesmo Espírito e a mesma missão. São enviados a contemplar e testemunhar o amor de Deus que enviou seu Filho como Salvador do mundo.

 Em vários textos do Novo Testamento vamos encontrando esta dinâmica da missão, que parte do próprio Deus e continua na missão dos homens e mulheres que crêem, na contemplação e no testemunho desta mesma missão na vocação pessoal e eclesial que assumem enquanto membros da Igreja de Cristo. Portanto, vocação, envio e missão estão envolvidas num mesmo dinamismo e comportam as mesmas exigências no interior da comunidade cristã, possuem igual compromisso no mundo e na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, sinal e presença do Reino de Deus. Este deve ser também o dinamismo, as exigências e os compromissos dos cristãos na Igreja e no mundo atual.

            Assim, quando somos enviados em missão, nossa primeira tarefa é contemplar, procurando discernir a presença e a ação da Palavra e do Espírito. Tudo o que desejamos fazer deverá ser orientado para identificar essa presença, promove-la e fornece-la. Deus já está em diálogo com as pessoas. Nosso serviço não é interpor-nos como intermediários, mas, facilitar esse diálogo. Devemos respeitar a liberdade de Deus, que está presente e ativo, e a liberdade das pessoas que respondem de modo próprio. A missão não é primariamente nosso projeto; estamos a serviço do projeto de Deus.

            Estar em missão é ir ao encontro de um mistério que abarca a totalidade do universo, a totalidade da história, todos os povos: o mistério do plano de Deus, o mistério da luz e vida na Palavra; o mistério do poder do Espírito, o mistério da participação das pessoas no Mistério Pascal de maneira que não nos são conhecidas. Estar em missão é proclamar o Reino anunciado por Jesus: Reino de Paz, liberdade, justiça, amor, fraternidade. Movimento de transformação iniciado por Jesus visa, não só a conversão pessoal, mas também a mudança das estruturas culturais, econômicas, sociais e políticas. Institui uma comunidade de testemunhas e enviou ao mundo para continuar sua missão.

            Michel Amalados, na reflexão sobre a missão faz apresenta uma síntese interessante, que pode servir para compreendermos a relação entre vocação e missão: “Quando a revelação do amor de Deus encontra a resposta apropriada desse amor na confiança e na aceitação do homem, inicia-se um forte movimento de libertação pessoal e social, que atravessa a história humana. O movimento traz liberdade, libertando cada pessoa das incapacidades e obsessões que a prendem. Alenta a fraternidade, pois dá poder às pessoas para exercitar sua livre responsabilidade uns pelos outros, numa comunidade genuína. E isso conduz à justiça, pois impele toda a verdadeira comunidade a procurar estruturas sociais justas, que tornem possível a fraternidade e a liberdade”.

            A principal tarefa missionária da Igreja é constituir comunidades de testemunhas por todo o mundo, em todas as culturas, no meio de todos os povos, em todas as regiões geográficas. É estar a serviço e promover, em colaboração com todos os organismos e instituições afins, a ação do próprio Deus no mundo e no meio dos povos. Deus partilha permanentemente seu amor e sua vida com a humanidade em toda parte e em todos os tempos, de maneira que não nos são conhecidas. A Igreja comunidade simboliza, isto é, torna visível e celebra, de modo humano, sócio-histórico, esse contínuo diálogo salvífico, pois sendo símbolo, testemunha e proclama a ação salvífica de Deus no meio das pessoas. E o que queremos dizer quando designamos a Igreja sacramento no contexto da missão.

            A missão centra-se não só nas pessoas e nas comunidades, mas nas estruturas econômicas, culturais e sócio-políticas que lhes são subjacentes. Estas estruturas podem ter hoje dimensões globais, de tal modo que acontecimentos ocorridos em determinado lugar podem ter conseqüências em qualquer outra parte do mundo. A missão, então, deverá reclamar não apenas o desenvolvimento da caridade que alivie a pobreza na África ou em outras partes onde há pobreza e miséria, mas também exigir justiça nos centros de decisão nos países ricos.

            Jesus, sua missão será sempre o modelo para todos nós. Deus nos chama e nos envia ao mundo em missão como seguidores de Jesus. Ele é o nosso modelo. Nosso único caminho deverá ser o de Jesus Cristo. O fim da atividade da missão é a construção da comunidade humana, uma comunidade unida em amor mútuo e serviço. Para tanto, cada cristão, como membros da Igreja, devemos assumir e fomentar em nós e nos outros a vocação à missão.

 

 

                                                                                                                     Pe. Paulo Roberto Teixeira de Abreu ss.cc.

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