Beltrán Villegas, ss.cc.

 

11º Domingo do Tempo Comum – Ano C

2 Samuel 12,7-10.13; Gal 2,16.19-21; Lc 7,36-8,3

Duas reações à graça

O conteúdo mais profundo da pregação de Jesus era, sem dúvida, o do amor paterno que caracteriza ao Deus, chamado por Jesus de "Abba" (paizinho). Este amor paternal incluía a oferta do perdão dos pecados como uma possibilidade de uma nova vida aberta a todos, aqui e agora, sem importar o que tenha sido o passado de cada um.

A história do Evangelho de hoje nos descreve uma cena em que se mostram duas maneiras de reagir à mensagem de Jesus, encarnadas em dois personagens: o primeiro, um fariseu, e o outro, uma mulher de má vida: O primeiro, respeitável por sua atuação e consciente de sua respeitabilidade; ela, desprezível por sua ação e consciente de sua indignidade. Ele, sem dúvida, intelectualmente sensível a um ensinamento novo; ela, tocada existencialmente pela atitude do Deus visível em Jesus, e descobrindo que pode ser amada com respeito e ser outra pessoa. Ele, pensando que cumpre um gesto de honra ao convidar Jesus para a sua mesa e oferecendo-lhe friamente amostras habituais de cortesia; ela, com imensa coragem, criando uma espécie de liturgia com as suas lágrimas, beijos, perfumes e cabelos.

O que está por trás destas duas atitudes? A parábola de Jesus o revela. Trata-se, em primeira instância, de uma questão de gratidão frente ao perdão. A parábola fala de duas quantidades diferentes perdoadas, que despertam reações diversas de amor agradecido. Penso que o que importa não são as próprias quantidades, mas o que elas representam para aqueles que recebem o favor. 10.000 perdoados a um milionário ou a um pobre são coisas diferentes. Porque o que está em jogo é a oferta universal de perdão incluído na mensagem de Jesus. A pecadora pública descobre o gigantesco que é isso para ela; mas o fariseu o percebe apenas como algo que lhe corresponde: ele é justo e não tem uma necessidade vital de perdão. É até possível que ele veja a mensagem de Jesus como uma ameaça para a sua condição atual, adquirida por força de méritos: que de repente um pecador desprezível seja colocado no mesmo nível que ele pelo perdão gratuito de Deus, parece-lhe uma injustiça (ver a parábola dos trabalhadores da vinha, ou a do filho pródigo).

No fundo, então, se trata da valorização da graça de Deus para a nossa existência: dessa graça, cuja manifestação mais evidente é o perdão dos pecados. Se para nós é mais importante e decisivo a nossa acumulação de méritos do que a graça de Deus, ou seja, que o seu Amor que é impossível de ser merecido, então nunca poderemos "amar muito", como a pecadora do Evangelho de hoje. Se, pelo contrário, a mola mestra da nossa vida é a consciência de sermos amados e perdoados por Deus com gratuidade e com uma generosidade sem limites, então nos sentiremos livres para amar o Senhor e para demonstrar-lhe o nosso amor agradecido sem cálculos nem mesquinhez.

Creio que é importante ressaltar que a boa notícia proclamada por Jesus só pode ser acolhida como uma boa notícia quando se está ciente da necessidade que cada um se encontra de salvação, que é inalcansável por nossos próprios meios. A complacência que leva a desqualificar os outros nos torna impermeáveis ao "Evangelho da Graça". Além disso, é impossível abrir-se à graça como aquilo que é fundamental às nossas vidas sem que que a auto-complacência nos pareça ridícula e começemos a ver em todos os seres humanos, mesmo nos mais condenáveis, a possibilidade de ser tocados e mudados pela descoberta da graça na pessoa de Jesus.

A plena valorização da Graça de Deus, que é o seu amor gratuito libertando-nos do nosso egoísmo instintivo, nos torna capazes de criar espaços de gozosa gratuidade sem cálculos sobre a "relação custo-benefício", nos permite "mostrar amor" a Deus que nos amou primeiro, e fazê-lo sem inibições, de forma espontânea e com alegria. Há uma frase de Charles Péguy que expressa bem o que está em jogo na parábola: "A consciência da própria perfeição (real ou potencial) é uma couraça que nos torna impermeáveis ​​à graça". É o tema da segunda leitura. Será que não há em nós atitudes que equivalem, como diz São Paulo (na 2ª leitura), a "tornar inútil a morte de Cristo" ou a "não levar a sério a Graça de Deus"?

 

Beltrán Villegas, ss.cc.

 


Pe. Beltrán Villegas, ss.cc.

 

 

10º DOMINGO DO TEMPO COMUM - C

1 Reis 17,17-24; Gal 1,11-19; Lucas 7,11-17

 

Remanescentes da mentalidade apologética nos fazem ver nos milagres de Jesus só uma exibição de seu poder sobrenatural que comprova sua missão divina, independentemente da natureza específica que eles têm ou das circunstâncias em que eles acontecem.

Hoje, os estudiosos da Bíblia enfatizam que os milagres de Jesus são uma revelação do que significa o reino de Deus, uma manifestação do que acontece quando Deus reina, e, portanto, de suas motivações, de suas intenções, de suas atitudes frente à realidade humana. Os milagres aparecem assim como a aurora, que já é o indício do começo do dia.

É importante no relato de hoje o fato de que o milagre se apresenta motivado pela compaixão que Jesus sente; nele se encarna o amor compassivo de Deus, atento às situações de cada um dos seus filhos.

E é importante também que a compaixão de Jesus se volte para a situação da mãe, mais do que para o menino morto, e que, uma vez devolvido à vida, sejamos informados de que Jesus "o entregou à sua mãe". Isso nos leva a perceber que ninguém é apenas um "indivíduo": ser homem é sempre ser filho, pai, mãe, irmão, marido, amigo. A vida humana consiste e se joga nestas relações interpessoais, tão diferentes das relações puramente funcionais, da vida profissional, administrativa, econômica ou política. A história do Evangelho de hoje salienta que Deus se preocupa com essas relações e com a sua manutenção num nível de qualidade adequado. No Reino de Deus tais relações desempenham um papel essencial, porque se Deus quer reinar, é para que a vida humana atinja a sua plenitude.

Se queremos continuar a realizar a missão de Jesus, para dar início à presença do reinado de Deus em nosso mundo, temos que começar por tornar nossa, como algo próprio, a compaixão de Jesus. Se nossa ação não brotar de uma reação do nosso coração contra a deteriorização da vida humana, como acontece hoje em situações concretas, ela não se situará na linha de Jesus.

Conversando com alguns amigos sobre o papel dos cristãos no novo mundo que está sendo moldado pelas nossas tecnologias tão sofisticadas, eu enfatizei que uma tarefa urgentíssima era – e vai ser cada vez mais – dar a esse mundo um "suplemento de coração". É de se temer que a nossa racionalidade tecnológica desemboque em um "período glacial" de desumanização (como o que nos apresentam tantos romances de ficção científica). Devemos proclamar, através dos fatos, que o ser humano se joga mais no coração do que no cérebro, e que mais essencial do que a "racionalidade" é a "cordialidade".

E o nosso "coração" deverá ser particularmente sensível à deterioração ou à quebra das relações humanas básicas. E certamente a nossa compaixão não poderá ser apenas "platônica", mas eficaz e "ressuscitadora".

 

Pe. Beltrán Villegas, ss.cc.

Santiago do Chile


 

 

Beltrán Villegas, ss.cc.

 

9º Domingo Comum – Ano C

1 Reis 8,41-43, Gal 1,1-10, Lucas 7,1-10

 

Creio que seja muito significativo que a atitude do centurião romano tenha sido caracterizada por Jesus como uma "fé" maior do que a que ele tinha encontrado em todo Israel.

Vale a pena examinar detalhadamente a atitude desse homem, a fim de entender o que Jesus queria dizer com a palavra "fé".

A primeira coisa que nos impressiona é a humildade desse romano. "Eu não sou digno de que entres em minha casa". E de acordo com o Evangelho de Lucas, o centurião não se sentiu digno de apresentar-se diante de Jesus. As palavras que acabamos de citar foram transmitidas a Jesus por meio de um emissário, porque ele não se sentiu digno sequer de falar diretamente com ele. Parece claro que nesta atitude do centurião não se pode ver apenas a consciência de um pagão que reconhece Israel como o "Povo do Deus único", mas que há nele, sem dúvida, uma percepção - talvez não tornada conceito – de que em Jesus está se desvelando em plenitude o amor salvador de Deus, de maneira que ele não crê que seja indispensável nem sequer que Jesus entre em sua casa para curar o seu servo.

Vemos, então, que - por trás dessa humildade - havia um reconhecimento da presença de Deus no ministério de Jesus e um reconhecimento que não é teórico, mas encarnado em gestos e atitudes.

Outra coisa que chama a atenção no centurião romano é a sua total confiança: confiança que se expressa em uma oração ou pedido concreto, fundado inteiramente na bondade e no poder de Jesus.

Creio que também vale a pena mencionar como notável a maneira em que o centurião vincula a sua esperança com a sua própria experiência: "Eu, que não sou mais que um subalterno, tenho soldados sob as minhas ordens, e digo a um ‘vai’, e ele vai, e a outro: ‘vem’, e ele vem, e ao meu servo: 'faz isto' e ele faz". Há por trás dessas palavras a convicção de que Deus não só tem o poder, mas que o manifesta no interior de um sistema de "relações pessoais", que obedece à vigência deste "regime" que os Padres gregos dos séculos IV e V chamaram de "economia" das relações de Deus com suas criaturas humanas, que são, de fato, soberanamente livres, mas dentro de um regime de benevolência salvadora.

Penso que esta breve análise da atitude expressa pelo centurião nos coloca diante de uma atitude rica e complexa, baseada em seu "sentido de Deus", que coincide com o de Jesus. Esta forma de reagir é o que Jesus chama de "fé" e, portanto, vemos que este termo tem pouco a ver com o conteúdo que muitas vezes o damos. Essa "fé", celebrada por Jesus, está longe de ser uma simples "ortodoxia", que nos faz reconhecer como verdadeiros e revelados por Deus os dogma da Igreja. E ela está muito loge de ser, também, uma certa atitude em relação a Deus de confiança cega, à qual não corresponde nem o respeito pela liberdade de Deus nem a busca consciente de sua vontade revelada em seus mandamentos e nos fatos que vão tecendo as nossas vidas .

A "fé" não é uma espécie de "seguro" diante de Deus, mas consiste em ver a Deus – tal como ele é e quer ser – como a única fonte possível de segurança para nós.

 

Beltrán Villegas, ss.cc.

Santiago do Chile


Beltrán Villegas, ss.cc.

 

TRINDADE – Ano C

Pv 8,22-31, Romanos 5,1-5, João 16,12-15

 

Desde o Antigo Testamento, fica claro que as relações mais características de Deus não são com as coisas da natureza (os astros, as montanhas, os rios ...), mas com as pessoas no curso da história. E é assim que, em muitos textos, se descreve a Deus como "o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó". O mais próprio de Deus se revela e se expressa através de suas relações com pessoas concretas. Nisso se inclui, evidentemente, o caráter pessoal do próprio Deus: ele não é uma "coisa" (ou uma "força"), imensa e distante, mas uma "pessoa" maravilhosa; não é "algo", mas "alguém" de quem se pode dizer que "falava com Moisés como um homem fala com seu amigo" (Ex 33,11). Por isso mesmo, os atributos que constantemente se destacam a respeito de Deus são aqueles que caracterizam a sua relação com os homens, como quando ele mesmo se apresenta a Moisés como "o Deus bondoso e clemente, paciente, misericordioso e fiel" (Ex 34,6).

 

Nesta história em que Deus se revela historicamente através de sua relação com pessoas bem individualizadas, o ponto mais alto está em Jesus de Nazaré. Os Evangelhos o apresentam totalmente centrado no que ele chamava de seu Pai, com uma familiaridade inédita, visível no termo "Abba", e de cujo reinado entre os homens, e de cuja vontade, se apresentava como o mediador definitivo. Assim, o "Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó" passou a ser por excelência "o Pai de Jesus Cristo", com a consciência do caráter estritamente divino – e não metafórico – desta relação de paternidade-filiação que nos vinculava: Jesus se mostrou como o Filho de Deus, enviado pelo Pai para assumir solidariamente a nossa condição humana.

 

Quando Jesus deixou de ser uma presença visível, a comunidade dos seus discípulos se sentiu "habitada" por uma presença invisível, mas luminosa, que lhe permitiu compreender experiencialmente ao Ressuscitado como situado no mesmo nível que o Pai: presença invisível que foi revelando-se lentamente como o Espírito pessoal enviado pelo Pai e pelo Filho como "Defensor" (Paráclito) da fé dos discípulos. No Espírito se completa a aproximação de Deus ao homem por meio de Jesus, e no Espírito começa a aproximação do homem a Deus por meio de Jesus. Foi assim, historicamente, como se revelou o mistério da Trindade. Certamente, parece-nos um mistério incompreensível que essas três pessoas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – possam  ter em comum o mesmo "ser", de modo que não sejam três deuses, mas um só, possuindo os três a mesma plenitude essencial da única divindade.

 

Mas a revelação deste mistério nos permite vislumbrar que Deus não é um ser solitário que nos criou para ter alguém com quem estabelecer relações pessoais e chegar a ser um "eu" em frente de um Tu criado. Deus é uma comunidade eterna de pessoas, que nos criou pela alegria de comunicar a sua própria comunhão. Isso significa que fomos criados como pessoas para partilhar a gozosa e eterna comunhão que existe no seio da divindade. Significa também que é nossa tarefa criar entre nós que cremos uma unidade de comunhão como a que existe na Trindade: "que eles sejam um, como nós somos um" (Jo 17,20-23). Isso acontece quando todos sabemos - e queremos - dar e receber, dar-nos e receber-nos. A dinâmica de comunhão exclui a absorção dominadora e também o entreguismo servil. A Trindade nos ensina que é tão divino aquele que tudo dá (o Pai) como aquele que tudo recebe (o Espírito Santo). E é tão nocivo o fechar-se para não dar nada quanto o fechar-se para não receber nada. É a abertura que nos realiza como pessoas. A Trindade nos mostra como ser verdadeiramente pessoas.

 

Beltrán Villegas, ss.cc.


BELTRÁN VILLEGAS SS.CC.

 

 

PENTECOSTES – ANO C

Atos 2,1-11; Romanos 8,8-17; João 14,15-16.23-26

 

Neste dia em que celebramos a descida do Espírito sobre a primeira comunidade cristã no meio de um forte vento, pode ser interessante notar que a palavra hebraica que está por trás da palavra "espírito" significa "vento" e, especialmente, a "respiração", ou seja, designa essa realidade invisível que é princípio de fenômenos visíveis, e que por sua invisibilidade e intangibilidade, é um boa imagem da ação transcendente de Deus.

Poeticamente, no Antigo Testamento, se vinculava de modo especial a vida com Deus com uma interpretação ousada da respiração dos viventes como uma manifestação do "sopro" de Deus: quando um vivente respirava era porque Deus exalava o seu alento.

Com maior profundidade, o Novo Testamento entende a vida cristã em relação com a atuação do Espírito de Deus na Igreja e em cada um dos fiéis, como o seu princípio invisível, mas eficaz. Mais especificamente, o Novo Testamento considera o Espírito Santo como o princípio da experiência especificamente cristã: a experiência do ressuscitado presente e atuante na Igreja e nos fiéis, sem a qual é impossível dar testemunho de Cristo. Só quando o aprendido e ouvido no ensino religioso ou na catequese se transforma em uma espécie de evidência e começamos a compreender o seu sentido e significado e o peso de sua realidade (e não como uma fórmula conceitual), só então começa a desdobrar-se em nós uma vida nova, isto é, uma capacidade nova de decisão, de compromisso, de entusiasmo lúcido e sólido, de coerência, de profundidade existencial.

A experiência do Crucificado presente e vivo conosco hoje nos dá a consciência do amor sem limites de Deus pelos homens, que o levou a entregar o seu Filho, solidarizando-se com a causa de uma humanidade decaída. E a consciência de ser gratuitamente amados por Deus em Cristo não pode deixar de levar a uma alegria agradecida e irradiante, e a um esforço por difundir a boa notícia desse amor, a trabalhar para que "o Amor seja amado".

Através dessa experiência básica, o Espírito nos leva a viver como filhos, capazes - como Cristo e em Cristo - de chamar a Deus de "Abba" (Pai), de abraçar de maneira filial a vontade de nosso Pai e de cumpri-la livremente, e não como escravos, de uma forma impessoal.

Ao impregnar-nos da consciência de sermos amados por Deus, o Espírito nos leva a superar nosso egoísmo instintivo, e a criar espaços de gratuidade, onde as relações não sejam regidas pela norma "custo - benefício", onde a comunhão interpessoal e o espírito de serviço abnegado possam ser implantados. Portanto, o Espírito de Deus nos move a buscar a unidade da Igreja não só na diversidade, mas através da diversidade vista como enriquecimento para todos.

Quando falamos da ação do Espírito Santo não estamos falando de magia ou de algum fluido que atua fora de nós. É uma possibilidade divina que se nos dá a todos com a única condição de desejar sinceramente ser introduzidos, por sua intervenção e através de uma experiência pessoal, nesse mundo da fé, que não é um mundo distinto, mas a dimensão mais profunda do nosso próprio mundo.

 

Beltrán Villegas ss.cc.

Santiago do Chile

 

ASCENSÃO

At 1,1-11; Ef 1,17-23; Lc 24,46-53

 

 

Embora talvez seja desnecessário para muitos de vocês, é bom ressaltar que a Ascensão de Cristo não é um deslocamento ou mudança de lugar físico, nem significa que ele se afasta dos homens. A Ascensão é a expressão simbólica de que Ele, em virtude de sua ressurreição, pertence ao "âmbito" próprio de Deus, por definição, retirado de nossos olhos. Isso significa que Jesus já não é mais o ator visível dentro da história humana, mas, se deixa de ser assim visível, é porque a sua glorificação lhe dá a capacidade de ser uma presença real em todos os lugares e em todas as épocas da história da humanidade: presença invisível, mas "experienciável".

 

A Ascensão expressa, em última análise, que a Igreja assume para si a importância de Jesus como agente histórico do processo iniciado por ele: assume o papel de tornar presente e perceptível o amor salvífico de Deus como a grande dinâmica que impulsiona a humanidade para a sua plenitude, para alcançar o que dá sentido à sua peregrinação. E, de fato, a Ascensão ajuda a configurar e definir a mensagem que, como Igreja que somos, temos a responsabilidade de manter vigente. Na Ascensão fica claro que a principal atuação histórica de Jesus o introduz na transcendência invisível de Deus. Isso certamente implica que - e é a nossa esperança - somos chamados, inclusive com a nossa corporeidade, a entrar na intimidade sagrada de Deus, mas também implica que - e é nossa responsabilidade - em um mundo fechado em si mesmo, limitado pelos próprios horizontes que ele mesmo determina, satisfeito com os seus projetos tecnológicos, dominado por seu "realismo" redutor, devemos anunciar um evangelho que pode parecer utópico: este mundo se apresenta como algo pequeno para o homem; o verdadeiro sentido da existência humana, pessoal e coletiva, "está escondido com Cristo em Deus".

 

Creio que a única maneira de tornar credível a nossa mensagem sobre esta realidade invisível é que seja visível que o nosso centro de gravidade (ou "pólo magnético") está realmente em algo que em si mesmo não é visível para o mundo que nos rodeia. Há diversas formas em que isto pode ser notado: por exemplo, através da solidariedade (cf. Mt 25), ou da resistência ao consumismo; mas creio que a chave é uma autêntica e profunda relação com Cristo presente em nossa vida. Se a nossa fé não tem essa dimensão experiencial, e é apenas a aceitação e confissão de verdades aprendidas, jamais a nossa palavra cristã terá uma força de convicção realmente convincente e contagiosa: jamais poderemos ser "testemunhas de Cristo".

 

Cristo nos chama a fazer - e ser - um "apelo à conversão". Tenhamos presente que a conversão cristã não é em primeiro lugar uma mudança de comportamento, mas uma mudança na forma de ver a realidade: ver a realidade com os olhos de Jesus, julgá-la e purificá-la com os seus critérios; descobrir que não podemos "instalar-nos" em nosso mundo e que temos que redimensionar todas as conquistas humanas.

 

Isto é o que Jesus fez em seu tempo. Hoje, neste dia da Ascensão, que é a linha divisória entre o seu tempo e o nosso, ele nos diz simplesmente: "Agora é com vocês".

 

Pe. Betrán Villegas, ss.cc.

Santiago do Chile