Hermann Rodriguez Osorio, SJ 

 
 
Carta á um Filho
 
 

Não me dê tudo o que eu peço. Às vezes eu peço só para ver o quanto eu posso conseguir de vocês. Não grite a mim. Eu o respeito menos quando você grita. E assim vc me ensina também a gritar e eu não quero aprender isso. Não me dê ordens sempre. Se, em vez de dar ordens, você me pedir as coisas, eu as trarei mais rápido e com mais alegria. Cumpra as promessas que você me faz, boas ou ruins. Se me prometer um prêmio, cumpra a promessa, mas faça também o mesmo se for o caso de um castigo. Não me compare com ninguém, especialmente com meus irmãos. Se você me julgar melhor do que outros, alguém vai sofrer, e se você me fizer sentir pior que eles, eu é que vou sofrer. Não mude tanto de opinião sobre as coisas que tem você que fazer ... decida e mantenha a decisão. Deixe-me afirmar-me por mim mesmo. Se você fizer tudo por mim, eu nunca poderei aprender"

 
 
 

 

Décimo primeiro domingo do Tempo Comum - Ano C (Lucas 7,36-8.3) - 16 de junho de 2013

"(...) Os seus muitos pecados são perdoados, porque muito amou"

Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

 

Eu li em algum lugar a história de um menino de seis anos, chamado Luis, que levantou-se cedo em um domingo e, vendo que seus pais ainda estavam dormindo, decidiu preparar-lhes umas panquecas no café da manhã. Ele foi até a cozinha, pegou uma tigela grande e uma colher de pau, puxou uma cadeira para a mesa e buscou a farinha na despensa. Ao levantar o pesado saco de farinha para colocar sobre a mesa, ele escorregou e começou a formar um trilha de farinha pela cozinha. Ele pegou com suas pequenas mãos tudo o que podia de farinha e foi colocando na enorme tigela. O resto ficou espalhado entre a mesa, a cadeira e a despensa. Ele foi, então, até à geladeira e pegou uma caixa de leite, pegou o frasco de açúcar e foi misturando os ingredientes na tigela. O resultado foi uma mistura pegajosa que começou a gotejar pelas bordas.

Nesse momento se deu conta de que havia farinha espalhada por toda a cozinha. Cada vez que o menino ia de um lugar para outro, ia deixando vestígios de seus pezinhos marcados em todos os lugares. O gato ia lambendo onde encontrava algo para satisfazer a sua fome matutina e assim ajudava o menino a deixar pistas de seus passos por toda a cozinha. Quando o menino quis começar a fritar as panquecas, tentou abaixar a tigela da mesa para trazê-lo até o fogão e terminou derramando o resto do leite que havia ficado na caixa. Desistiu, então, de abaixar a tigela e decidiu levantar a frigideira para ir colocando algo de sua mistura nela. Quando trazia a frigideira, se escorregou com o leite que havia derramado e caiu deitado no meio da cozinha, sentindo que as coisas não estavam indo nada bem.

Nesse momento, ele percebeu que não sabia o que devia fazer, se devia ligar o forno ou uma das bocas do fogão. ... E muito menos como fazê-lo sem se queimar. Certamente, ele queria fazer algo de bom para surpreender os seus pais, mas as coisas não estavam indo tão bem quanto ele imaginava. Quando ele olhou de novo para a mesa, o seu gatinho estava lambendo a tigela, então ele correu para afastá-lo, e com tanta falta de sorte, derrubou também o frasco do açúcar. O seu pijama já estava completamente pegajoso e a mistura para as panquecas ocupava a metade do piso da cozinha.

Nesse momento, ele viu o seu pai em pé na porta. Duas grandes lágrimas vieram-lhe aos olhos. Ele só queria fazer algo bom, mas na realidade tinha causado um desastre. Ele tinha certeza de que seu pai iria puni-lo e, possivelmente, lhe daria uma boa surra. Mas seu pai apenas o observava no meio da bagunça, sem entender o que havia acontecido ali. Seu pai, caminhando por entre toda a bagunça, se abaixou e pegou seu filho, que estava chorando, entre os braços, e deu-lhe um grande abraço cheio de amor, sem importar-se com a sujeira que estava ficando em seu próprio pijama.

Deus nos trata assim. Jesus se encontrou com uma mulher da vida na casa de Simão, o fariseu. Ela "chegou por trás com um vaso de alabastro cheio de perfume. Chorando, ela se colocou ao lado dos pés de Jesus e começou a banhá-los com as suas lágrimas. Em seguida, enxugou-os com seus cabelos, beijou-os e derramou perfume sobre eles". Ela manifestou com suas obras um grande amor por Jesus. Ele se expressou sem se importar com o que os outros diriam. E Jesus recebeu estas manifestações de carinho com muita liberdade. Sabia que o anfitrião certamente estaria pensando mal dele, mas não se importou. De fato, o Evangelho diz que "o fariseu que o tinha convidado viu isso e pensou: ‘Se este homem fosse um profeta, saberia que tipo de pessoa é essa que o está tocando: uma mulher da vida’".

Quando Jesus percebeu o que está pensando o seu anfitrião, lhe propôs uma parábola: "Dois homens deviam dinheiro a um credor. Um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinqüenta; como não podiam pagar, o credor perdoou a ambos. Então Jesus perguntou ao fariseu: ‘Qual deles o amará mais?’ E Simão respondeu: ‘Acho que o homem a quem mais se perdoou’". E Jesus, com sua intuição pedagógica, que primeiro faz com que se morda a isca para depois tirar as consequências, vai mostrando a ele como aquela mulher havia demonstrado mais amor, porque se lhe havia perdoado mais, enquanto ele mostrara pouco amor, porque tudo indica que se lhe perdoara menos ...

Deus considera muito os esforços que fazemos para expressar-lhe nosso amor. O amor que demos e que fomos capazes de expressar, é o que o Senhor vai considerar no final do nosso caminho. Mesmo que, às vezes, para expressar-lhe nosso amor façamos um desastre à nossa volta. Mas Deus vem até nós, nos toma  em seus braços e nos dá o seu perdão, como o pai do menino da história, que se compadece de seu filho pequeno, que transformou a cozinha de sua casa num verdadeiro desastre, por querer fazer umas panquecas para seus pais num dia de domingo.

 

* Padre jesuíta, diretor acadêmico da Faculdade de Teologia da Pontificia Universidad Javeriana - Bogotá


Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

 

 

10º Domingo do Tempo Comum - Ano C (Lucas 7, 11-17) 9 de junho de 2013

"Deus veio para ajudar o seu povo"

 

Uma vez recebi a seguinte história que me veio à mente ao ler o texto que apresenta hoje o Evangelho de Lucas: "Um grupo de vendedores foi uma convenção de vendas. Todos tinham prometido a suas esposas que chegariam a tempo para o jantar na sexta-feira à noite. No entanto, a convenção terminou um pouco tarde, e chegaram atrasados no aeroporto. Todos eles entraram com seus bilhetes e malas, correndo pelos corredores. De repente, e sem querer, um dos vendedores tropeçou numa mesa que tinha uma cesta de maçãs. As maçãs sairam voando por toda parte. Sem parar, sem voltar atrás, os vendedores continuaram correndo, e chegaram a ponto de fechar as portas do avião. Todos menos um. Este parou, respirou fundo, e experimentou um sentimento de compaixão para com a dona da mesa de maçãs. Ele disse aos seus amigos que fossem sem ele e pediu a um deles que ligasse para sua esposa explicando que ele chegaria mais tarde, no vôo seguinte.

Depois, voltou ao terminal e encontrou todas as maçãs espalhadas pelo chão. Sua surpresa foi grande ao perceber que a dona do posto de venda das maçãs era uma garota cega. Ele a encontrou chorando, com grandes lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Ela tateava o chão, tentando, em vão, recolher as maçãs, enquanto a multidão passava, vertiginosa, sem parar, sem importar-se com o seu sofrimento. O homem ajoelhou-se com ela, juntou as maçãs, colocou-as no cesto e ajudou a montar novamente o posto de vendas. Enquanto ele juntava as maçãs, percebeu que muitas tinham se amassado. Ele as tomou e as colocou num saquinho. Quando terminou, pegou sua carteira e disse à moça: "Toma, por favor, esses 50 reais pelos danos que fizemos. Você está bem?" Ela, chorando, acenou com a cabeça que sim. Ele continuou, dizendo: "Espero não ter estragado o seu dia". Assim que o vendedor começou a se afastar, ela gritou: "Senhor ...". Ele parou e se virou para olhar para aqueles olhos cegos. Ela continuou: “Você é Jesus...?”. Ele parou e deu várias voltas, antes de se dirigir para embarcar em outro vôo, com essa pergunta queimando e vibrando em sua alma: “Você é Jesus?".

Quando Jesus chega a Naim, acompanhado por seus discípulos, assistiu a uma cena comovente: uma viúva que ia enterrar seu único filho na companhia do povo de sua aldeia. "Ao vê-la, o Senhor teve compaixão dela e disse: ‘Não chore’. Depois se aproximou e tocou no caixão, e os que o levavam pararam. Jesus disse ao morto: "Jovem, eu te digo, levanta-te! Então aquele que estava morto sentou-se e começou a falar, e Jesus o entregou à mãe".

A questão está em que Jesus não podia passar ao lado de uma necessidade, ou de qualquer pessoa que estivesse sofrendo, por qualquer motivo, sem sentir uma “dor de estômago”, que é o que a tradução proprimente exprime: “compaixão”. Se lhe moveram as entranhas,  se lhe revolveram as tripas, doeu-lhe como se fosse com ele mesmo. ... Jesus não passou, nem passa nunca ao lado de nossas dores, sem fazer nada. Embora muitas vezes pensemos que Ele nos deixa sozinhos, que não responde precisamente quando necessitamos dele. Jesus é a resposta de Deus para todas as nossas dores e sofrimentos. Por isso, as testemunhas de este sinal de Jesus diziam: "Um grande profeta apareceu entre nós”. Também diziam: “Deus veio visitar o seu povo".

A próxima vez que nos cruzemos com alguém que sofre, paremos por um momento, como Jesus fez, ou como fez o vendedor da história, para aproximar-nos da pessoa que precisa da nossa solidariedade, e deixemos que essa “dor de estômago” que nos ocorre, não passe de largo.

* Padre jesuíta, diretor acadêmico da Faculdade de Teologia da Pontificia Universidad Javeriana - Bogotá


Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

 

Solenidade da Santíssima Trindade - Ciclo C (João 16, 12-15) 26 de maio de 2013

"Tenho muitas outras coisas a lhes dizer"

 

 Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

 

Em uma das capelas da Vila Kostka, o Centro de Espiritualidade dos jesuítas, próximo de São Paulo, no Brasil, há um enorme mural inspirado em um dos mais famosos ícones da Igreja oriental. A imagem original, atribuída a Andrei Rublev, é de meados do século XV e é preservada em Moscou. Representa uma passagem do livro do Gênesis, quando Deus apareceu a Abraão junto aos carvalhos de Mambré: "O Senhor apareceu a Abraão no bosque de carvalhos de Manbré, quando Abraão estava sentado à entrada da sua tenda, ao meio-dia. Abraão ergueu os olhos e viu que três homens estavam de pé em frente dele. Quando os viu, levantou-se rapidamente para recebê-los, prostrou-se com o rosto em terra e disse: - Meu senhor, por favor, eu imploro, não vá embora logo" (Gn 18,1-3). Um destes três homens foi o que revelou a Abraão a promessa de Deus, que deu origem à nossa fé: "No próximo ano voltarei a visitar-lhe, e, nesta ocasião, a sua esposa Sara terá um filho. Enquanto isso, Sara estava escutando toda a conversa sem que Abraão a visse, na entrada da tenda. (...) Sara não pôde deixar de rir e pensou: como poderei ter essa alegria, agora que meu marido e eu somos tão velhos?" (Gn 18,10-12).

 

                A característica desta obra é que cada um dos personagens olha em uma direção diferente. Comunica uma teologia trinitária que poderia ajudar-nos a melhorar a nossa relação com Deus, uno e trino: Aquele que representa o Pai, está olhando o Filho. Com este olhar se expressa o fato de que Deus Pai nos dá seu Filho, para nos ensinar o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo 14,6). Por isso Jesus diz: "Saí da presença do Pai para vir a este mundo, e agora deixo o mundo para voltar ao Pai" (Jo 17,28). O Filho é a manifestação de Deus Pai para nós, como o próprio Jesus expressou a Filipe, no Evangelho de João: "Aquele que me viu, viu o Pai" (Jo 14,9).

 

O homem que representa o Espírito Santo, por sua vez, está olhando para um lado. Avista o mundo, convidando-nos a descobrir Deus na criação. Este olhar expressa, além disso, o chamado para caminhar sempre para além das nossas fronteiras, e assim responder à missão. O Espírito é o único que nos levará à verdade plena: "Eu tenho muitas outras coisas a lhes dizer, mas neste momento seria demais para vocês. Quando vier o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas falará o que ouve, e mostrará as coisas que vão acontecer. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês" (Jo 16,12-14).

 

Por último, o personagem que representa o Filho, não tira o olhar de quem contempla o quadro. Em qualquer lugar que a gente se coloque nesta capela, sente-se visto diretamente pelos olhos de Jesus. Ele é o mediador entre Deus e o seu povo. É o verdadeiro Pontífice (ponte) entre os seres homanos e Deus: "Porque há um só Deus, e um só homem que é o mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus" (1Tm 2,5).

 

Digamos hoje a Deus, como disse Abraão naquele meio dia: "Meu senhor, por favor, eu imploro, não vá embora logo". Sintamos o olhar de Jesus, que nos fala do amor de Deus Pai e nos recorda a missão a que nos envia o Espírito Santo. Oxalá que isto não nos faça rir, como aconteceu a Sara, mas que Deus encontre em nós uma fé disposta e generosa.

 

 

* Padre jesuita, Diretor acadêmico da Faculdade de Teologia da Pontificia Universidade Xaveriana – Bogotá


HERMÁN RODRIGUES S.J

 

 

Domingo de Pentecostes - Ano C (João 20, 19-23) 19 de maio de 2013

"Recebei o Espírito Santo"

Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

 

Ouvi dizer que a experiência de fé nas pessoas tem quatro etapas: A primeira é a que vivem as crianças. Elas acreditam no que é dito por sua mãe, seu pai ou seu professor. As pessoas mais velhas são as que lhes dão segurança e significado. Sozinhas, elas não se sentem capazes de enfrentar os perigos que as espreitam constantemente. Não podem imaginar a vida sem essas pessoas ao seu lado. A segunda etapa no caminho da fé é a que vivem os jovens, que acreditam no que vêem os mais velhos fazerem e não no que eles dizem. Exigem coerência, resultados. Eles não confiam nas palavras, que são levadas pelo vento. Necessitam de provas, no estilo de Tomé, que precisou ver as feridas nas mãos, nos pés e no lado do Senhor. A terceira etapa é a dos adultos, que acreditam apenas no que eles próprios fazem e não no que os outros dizem, nem no que vêem os outros fazerem. As pessoas adultas vão se tornando autônomas, dirigem-se por seus próprios princípios. Um adulto sabe que o que ele mesmo não faz, ninguém o fará por ele. A quarta etapa que vivemos em nosso caminho de fé é a do ancião, que crê em Deus, sem maiores problemas. Ele viveu muitas experiências e foi se desiludindo de uma infinidade de seguranças passageiras que teve ao longo de sua existência. Confiou em seus estudos, em seu trabalho, em suas amizades, em suas posses. Mas, pouco a pouco, se deu conta de que tudo isso não era mais que vaidades. Sabe que se aproxima o momento definitivo do encontro com o único Senhor de sua vida.

O que está por trás de tudo isso é a experiência do despojamento que vamos vivendo a cada dia e torna-se mais acentuado com o passar dos anos. Um homem idoso já não tem pai ou mãe. Já não tem mais professores. Já não tem mais modelos em outros adultos. Já não tem mais nem sequer a si mesmo. Sente-se sem forças. Já não tem outra alternativa que sentir-se nas mãos de Deus, como a criança de peito se sente nas mãos de sua mãe. A vida nos vai despojando, pouco a pouco, de nossas seguranças, até que nos peçam para entregar a própria vida. Dizem que uma vez num velório de um homem que era muito rico, os que acompanhavam a família do falecido conversavam sobre o que este homem tinha deixado. Faziam as contas e não conseguiam calcular a herança que ele havia deixado aos seus descendentes. Até que um homem sábio disse aos que conversavam sobre isso: "Eu sei exatamente quanto este senhor deixou". "Quanto ele deixou?", perguntaram todos, intrigados por saber o valor exato. E o homem disse: "Ele deixou tudo. Ninguém leva nada deste mundo".

Devemos reconhecer que esta visão das coisas é um pouco pessimista. Segundo esta visão, só os idosos chegam a ter uma fé autêntica. No entanto, eu acho que tem muito de verdade nisso. Vamos pouco a pouco colocando nossa fé em muitas coisas que não são Deus. E muito lentamente, vamos nos abrindo a uma plena confiança na ação de Deus em nossas vidas. A celebração de hoje é um excelente momento para perguntar-nos por nossa fé. Para perguntar-nos por aquilo em que pusemos a nossa confiança. Onde estão as nossas seguranças? O ressuscitado soprou sobre os discípulos e disse: "Recebei o Espírito Santo". A pergunta que devemos fazer hoje é se cremos verdadeiramente que recebemos o Espírito Santo em nosso batismo e se cremos que continuamos a recebê-lo todos os dias através dos sacramentos, como o dom mais precioso que o Senhor nos deixou. Não deveríamos esperar o momento de estar à beira da morte para viver uma fé que seja capaz de desapegar-se de tudo, para deixar-se levar por Deus. Para crer no Espírito Santo que o Senhor nos deu.

 

* Padre jesuíta, diretor da Faculdade de Teologia da Pontificia Universidade Xaveriana - Bogotá

 

 

5 de Maio de 2013

6º Domingo do Tempo Pascal – Ano C

“Não se angustiem, nem tenham medo”

Hermann Rodriguez Osorio, SJ *

Alguns anos atrás eu ouvi essa história que me veio à mente ao ler as palavras de Jesus: "Não se perturbe nem tenham medo". Era uma vez um menino chamado Joãozinho. Seu pai era um mágico. Cada manhã Joãozinho se lavantava, se lavava e se vestia rapidamente, porque seus pais o despediam na porta da casa. O seu pai se aproximava e sussurrava em seu ouvido algumas palavras mágicas que Joãozinho escutava cheio de emoção. Ele guardava as palavras mágicas no bolso de sua camisa, perto do coração, e de tempos em tempos, parava, tirava as palavras mágicas do bolso, as ouvia novamente e continuava o seu caminho cheio de alegria.

Joãozinho tinha o hábito de buscar alguns amigos e amigas antes de vir para a escola; em primeiro lugar ia para a casa de Gabriel, que era filho de um policial de trânsito. O pai de Gabriel dizia a seu filho para despedir-se: "Cuidado na hora de atravessar as ruas ... espere sempre até que o homenzinho na luz esteja verde. Atravesse a rua na faixa de pedestres e não corra. Aguarde até que os carros passem e tenha cuidado com as bicicletas e motos ...". E Gabriel saía sempre com uma cara de 'semáforo em luz vermelha', ... mas ao encontrar-se com Joãozinho, davam-se um abraço, e então, o que era ruim, já não parecia tão ruim.

Em seguida, eles caminhavam para a casa de Luana, que era filha de uma dentista. Sua mãe a despedia todos os dias com estas palavras: "Minha filha, não coma chicletes ou doces, ... escove os dentes todas as vezes que você comer alguma coisa, não mastigue muito rápido e tenha cuidado com os alimentos duros ...", e lhe dava uma escova de dentes, um fio dental e uma pasta dental. E a pobre Luana saía com uma cara de 'dor de dente' ..., mas ao encontrar-se com Joãozinho, se davam um abraço, e então, o que era ruim, já não parecia tão ruim.

Em seguida, os três iam correndo para a casa de Campeão, que era o filho do dono de um banco. A campeão sempre seu pai o despedia na porta dizendo: "Você tem que ser o primeiro, o melhor em todos os esportes e em todas as matérias, não me venha com segundos lugares, você sempre tem que ganhar, ser o melhor de todos em tudo. ... Coragem, você tem que vencer todos os outros". E seu pai colocava em seu pescoço uma medalha que dizia de um lado: "Eu sou o melhor" e do outro lado: "Eu sou o primeiro". E Campeão saía sempre com uma cara de 'jogo perdido' ..., mas ao encontrar-se com Joãozinho se davam um abraço, e então, o que era ruim, já não parecia tão ruim. ...

Finalmente, passavam na casa de Patricinha, uma menina muito bonita e filha de uma família muito rica, tinha uma casa enorme, com uma grande escadaria na entrada e um belo jardim. Todas as manhãs os pais de Patricinha a despediam na porta da casa e lhe diziam: "Você tem tudo que você precisa, tem dinheiro, comida, livros, cadernos, canetas, lápis, giz de cera, ... Você leva de tudo e nada lhe falta; nós lhe damos de tudo para que você não tenha problemas na vida. ... Assim, não é necessário que lhe digamos mais nada". E assim a despediam sem dizer mais nada. ... E a pobre Patricinha saía com uma cara de 'felicidade fingida' ..., mas ao encontrar-se com Joãozinho, se davam um abraço, e então, o que era ruim, já não parecia tão ruim ..

Ao chegar na escola, os amigos de Joãozinho lhe perguntavam pelas palavras mágicas, mas ele não queria revelar-lhes, pois o seu pai as dizia somente a ele, e se outro as escutasse, elas perderiam o seu efeito mágico. ... Assim, os quatro foram uma manhã, bem cedo, para a casa de Joãozinho; esperaram escondidos perto da porta até que chegasse a hora em que saíssem Joãozinho e o seu pai mágico; queriam ouvir as palavras mágicas que ele iria dizer a Joãozinho. Passou algum tempo e finalmente saíram Joãozinho e seu pai mágico, ... prestaram muita atenção e finalmente ouviram as palavras mágicas. O pai mágico dizia a Joãozinho: "Filho, eu te amo ... que você tenha um dia muito feliz!”.

Quando fazemos uma experiência de amor incondicional, não podemos ter medo diante dos problemas que a vida nos apresenta. Sentir-nos amados por Deus, como Joãozinho se sentiu amado por seu pai mágico, é o que Jesus quis comunicar-nos a partir da experiência de sua ressurreição.

* Sacerdote jesuita, Decano acadêmico da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Javeriana – Bogotá – Colômbia.

 

 

 

12 de Maio de 2013

SOLENIDADE DA ASCENSÃO (Lucas 24,46-53)

“Vocês devem dar testemunho destas coisas”

 

Hermann Rodríguez Osorio, S.J.*

 

No livro de Jean Canfield e Mark Victor Hansen, Canja de Galinha para a Alma, publicado em 1995, se conta uma história assim: Era uma tarde ensolarada de domingo em uma cidade longe da capital da nação. Um bom amigo meu saiu com seus dois filhos para andar um pouco para aproveitar a beleza da paisagem e o ar fresco do entardecer. Chegaram na periferia da cidade, onde estava acampado um pequeno circo que oferecia espetáculos com grande sucesso. Meu amigo perguntou a seus filhos se eles queriam apreciar o show daquela noite. As crianças, sem hesitar, deram um salto de alegria e se prepararam para desfrutar. Meu amigo aproximou-se do caixa e perguntou: - Quanto é a entrada? – Trinta reais para você e quinze reais para cada criança com mais de seis anos - disse o atendente. - Crianças com menos de seis anos não pagam. Quantos anos eles têm? - O mais novo tem três e o mais velho tem sete, então eu acho que com quarenta e cinco reais pago tudo - disse meu amigo. - Olha, senhor - disse o homem do caixa - você ganhou na loteria ou algo assim? O senhor poderia ter economizado quinze reais. Poderia ter dito que o mais velho tinha seis anos, eu não tinha notado a diferença. - Sim, isso pode ser verdade - respondeu meu amigo - mas as crianças sim teriam notado.

 

Dar testemunho das coisas de Deus no meio do mundo é a tarefa que o Senhor nos deixou antes de sua Ascensão ao céu. "’Vós sereis testemunhas destas coisas, começando por Jerusalém. Eis que eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até serdes revestidos da força do alto’. Então ele os levou até Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. E, enquanto os abençoava, distanciou-se deles e foi elevado ao céu. Eles se prostraram diante dele, e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria (...)".

 

Em cada circunstância de nossa vida temos que descobrir a melhor maneira de dar testemunho do Senhor. Nem sempre é fácil, seja porque é mais cômodo assumir atitudes distintas das que se esperam de um seguidor do Senhor, ou porque as nossas limitações e o nosso pecado nos tornam incapazes de responder com amor, com perdão, com misericórdia. É especialmente difícil dar testemunho das coisas de Deus diante das pessoas que nos são mais próximas. Elas nos conhecem e sabem muito bem onde nos aperta o sapato. Nesses casos, temos que pedir a Deus que nos conceda a graça de sermos fiéis.

 

Muitos homens e mulheres ao longo da história da Igreja deram testemunho das coisas de Deus com a sua própria vida. Para nós, talvez, não se peça tanto. Mas, certamente, podemos escolher o caminho mais fácil de passar a vida acomodados quando os outros esperam de nós um comportamento coerente com a nossa vida cristã, ou esperam que assumamos as consequências de ser discípulos de um mestre que esteve sempre disposto a dar a sua vida para os outros, em lugar de afastar-se do caminho que Deus, seu Pai, lhe propusera.

 

O Senhor nos deixou como seus representantes aqui na terra, para continuar sua obra no meio das nossas famílias e da sociedade em que vivemos. Peçamos a Ele que, nos momentos-chave, sejamos capazes de responder como ele espera de nós. Porque, ainda que alguns não o creiam, a diferença se nota...

 

* Sacerdote jesuita, Decano acadêmico da Faculdade de Teologia da Pontificia Universidade Javeriana – Bogotá – Colômbia.